XXY: intersexualidade no cinema argentino

Alex (Inés Efron)  nasceu com características sexuais femininas e masculinas. Tentando poupar a filha dos preconceitos de terceiros e de médicos que queriam “corrigir” a genital da criança, Kraken (Ricardo Darín) e Suli (Valeria Bertuccelli) se mudaram da Argentina para uma pequena vila no Uruguai.  Anos mais tarde, a família recebe a visita de um casal de amigos e de seu filho Álvaro (Martín Piroyansky). É então que Alex, agora com 15 anos, e o jovem visitante começam sua própria jornada de descobertas sobre identidade de gênero e orientação sexual.

Roteirizado e dirigido por Lucia Puenzo (co-roteirista de O Silêncio do Céu, dirigido pelo brasileiro Marco Dutra), XXY foi lançado nos cinemas brasileiros em 2008 e agora, 10 anos depois, chega ao catálogo da Netflix.  Com um elenco de peso formado por grandes nomes do cinema latino – como Ricardo Darín, Inés Efron e César Troncoso -, o longa consegue chamar atenção para uma narrativa que, ainda hoje, trata de temas delicados e, a princípio, poderia afastar o interesse da audiência.

Alex (Inés Efron) em ‘XXY’ / Divulgação

Puenzo é cuidadosa em sua abordagem, dedicando-se a conduzir a trama da forma mais empática possível e propondo ao público reflexões sobre a tola necessidade de encaixar seres humanos em definições inflexíveis, retrógradas e opressivas. Para Alex, ser como é não é um problema. Mas a violência e a ignorância são implacáveis. Seus pais não quiseram mutilar seu corpo recém-nascido para torná-la “normal” e passaram a vida num esforço constante para que o que há de pior no mundo não a atingisse.

Quando o que é diferente em Alex vira boato na comunidade e os esforços de Kraken e Suli vão por água abaixo, a jovem se depara com os mais diferentes tipos de reação de pessoas próximas e conhecidos. O roteiro de XXY se preocupa em transitar por variados comportamentos de seus personagens, demonstrando como o preconceito pode existir velado ou se transformar em violência e como apoio e parceria são importantes nas jornadas pessoais.

Ricardo Darín e Inés Efron são pai e filha em ‘XXY’ / Divulgação

Apesar de Alex ser a protagonista – e Inés Efron nos presenteia com uma atuação grandiosa -, Álvaro também funciona como ponto de partida para discussões importantes. Mesmo sendo considerado fisicamente “normal”, o adolescente encara o desprezo e conservadorismo do pai, que enxerga o filho como alguém fraco.

Aliás, na trama, os posicionamentos dos pais são de extrema importância para o embate de pontos de vista. Enquanto o pai de Álvaro faz a linha dura, intransigente e intolerante, Kraken se dispõe a entender questões que até então ignorava e, mirando o bem da filha, abre mão de pensar o mundo entre feminino e masculino para permitir que a jovem seja simplesmente ela mesma.

Imagem: divulgação

Fica a cargo da fotografia fria e acinzentada e das paisagens desertas o contraponto visual necessário dentro de um filme enérgico, que às vezes emociona por sua delicadeza – como nas cenas onde Darín e Efron desenvolvem sua relação pai e filha –  e outras vezes choca por sua brutalidade tão humana e possível.

XXY é o típico filme que passaria despercebido no vasto catálogo da Netflix, mas também é exatamente o tipo de produção que deve ser incentivada: as latinas, dirigidas por mulheres. Por isso, nem algumas cenas desajeitadas pelo percurso e alguns elementos  de ficcionalização pouco verossimilhantes são capazes de tirar o brilho da obra de Lucia Puenzo.

 

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Ficha técnica

Direção: Lucia Puenzo

Duração:1h31

País: França, Espanha, Argentina

Ano: 2008

Elenco: Inés Efron, Ricardo Darín, Valeria Bertuccelli, César Troncoso

Gênero: Drama

Distribuição: Imovision / Netflix

 

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