Pachamama (Netflix) fala sobre colonização para as crianças

Com produção francesa, distribuição da Netflix, direção do argentino Juan Antín e inspiração nas tradições dos povos originários andinos (da região do Peru), a animação Pachamama consegue tratar de política, cultura e colonização enquanto encanta adultos e crianças.

Na trama, ambientada no período dos ataques dos colonizadores espanhóis ao Império Inca, acompanhamos as aventuras de Tepulpaï e Naïra, dois pequenos habitantes de uma vila localizada na Cordilheira dos Andes. 

Um dia, quando o cobrador do Império leva da vila a huasca (símbolo religioso importante para aquela comunidade), Tepulpaï e Naïra partem rumo a capital para recuperá-la. Uma vez em Cusco, as crianças contam com  a ajuda da lhama Lamita e de um tatu-bola para salvar a huasca da ganância dos colonizadores que estão invadindo a cidade em busca de ouro. 

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‘Pachamama’/ Divulgação

TRADIÇÕES E COLETIVIDADE

Segundo o ativista ambiental boliviano Pablo Sólon, Pacha quer dizer “o todo”, e por isso costuma-se traduzir Pachamama como Mãe Terra – mãe de todos. Mas o termo se refere a mais do que humanos e natureza. Pacha representa um conceito  amplo de cosmovisão indígena sobre espaço e tempo. “O todo”, para os povos andinos, significa a contínua interação entre a Terra (plantas, animais, humanos), o mundo de cima (lua, sol, estrelas) e o mundo de baixo (onde ficam os mortos).

Na animação, a jornada de Tepulpaï é toda baseada em seu processo pessoal de aprendizagem sobre a Pacha. Logo no início do filme, os mais velhos, o Xamã e Naïra tentam lhe ensinar sobre tradições, paciência, altruísmo e cooperação. Essas são lições, porém, que o garoto andino só aprenderá de verdade mais tarde, quando presencia a devastação causada pelos espanhóis e precisa ajudar sua comunidade a sobreviver.

O título do filme não poderia ser mais direto. À medida que o protagonista compreende a necessidade do respeito aos ancestrais, aos astros e à natureza, nós também aprendemos sobre a Pacha. E apesar de ser destinado ao público infantil, Pachamama não se esquiva de tratar de tensões políticas e culturais que podem atrair também a atenção dos adultos.

Portanto, além de valorizar a ancestralidade, a coletividade, a memória e a infância, esta animação de traços simples e muitas cores torna encantador o aprender.

Imagem: divulgação

 A COLONIZAÇÃO

Pachamama é, acima de tudo, um filme doce, delicado e lúdico – extremamente preocupado com a forma de mostrar para as crianças esse período histórico de tanta violência. Por outro lado, é também certeiro ao inserir “assuntos espinhosos” na narrativa.

A obra deixa claro que o Império Inca não era um reino perfeito de paz, amor e harmonia; ali também existiam  desigualdades sociais. Mas a colonização espanhola impôs às terras e aos povos andinos a presença de homens que pertenciam a uma formação de tecido social completamente diferente.

Imediatamente esses homens, vindos de uma cultura que sequer pensava sobre “o todo”, atribuíram outro tipo de valor ao ouro e aos recursos naturais. De repente a huasca, que até então era símbolo religioso para a vila, passa ser perseguida pela sede de riqueza dos invasores. 

Como bom filme infantil que é, Pachamama não nos diz que durante o processo de colonização as obras de arte e artefatos religiosos foram derretidos, os povos originários latino-americanos escravizados e mortos e a história pré-hispânica sentenciada ao esquecimento. No final, o filme se dedica a deixar a mensagem de que se as relações de interdependência forem compreendidas e a Pacha respeitada, sempre será possível recomeçar.

E para não dizer que a obra está livre de defeitos, a ausência de uma versão em espanhol do áudio é bastante incômoda. Se a animação fala de América Latina, por que não providenciar uma dublagem no idioma da região cuja história inspirou a produção?

Imagem: divulgação

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Ficha técnica

Direção: Juan Antín 

Duração: 1h12

País: França, Canadá

Ano: 2019

Gênero: Animação

Distribuição: Netflix

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