Os Delinquentes representa a Argentina no Oscar 2024

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Os dias para Morán (Daniel Elias) são todos iguais. Ele acorda, se veste, caminha até uma padaria, toma café da manhã e segue para o Banco Social Cooperativo, no centro de Buenos Aires, onde trabalha como tesoureiro. Mas tudo está prestes a mudar, já que Morán planeja roubar o banco. 

O plano consiste em roubar 650 mil dólares, deixar a quantia escondida com outro colega bancário, Román (Esteban Bigliardi), assumir a culpa pelo crime, cumprir pena e depois usufruir de sua parte do dinheiro bem longe da vida que levava antes. Acontece que o sujeito não rouba para ser rico, ele rouba para poder deixar de trabalhar.  Por isso, a quantia levada dos cofres corresponde à soma dos salários que ele e seu cúmplice involuntário receberiam até a aposentadoria caso continuassem no mesmo emprego. De acordo com os cálculos de Morán, mais vale passar três anos na cadeia do que outros 20 anos aprisionado na rotina.

Escrito e dirigido por Rodrigo Moreno (“O Guardião”, 2006), um dos integrantes do chamado “novo cinema argentino”, Os Delinquentes (Los Delincuentes) se confunde, a princípio, com um clássico filme de assalto. E de fato ele nasce como uma releitura moderna de Apenas Un Delincuente (1949), de Hugo Fregones. Há, inclusive, características típicas dos filmes de assalto da época, como o passeio noir da câmera pela cidade, ambientando os momentos e os lugares do cotidiano do protagonista anti-herói. Aos poucos, porém, o longa se revela mais existencialista do que sua inspiração. Assim, o assalto ao banco deixa de ser o centro da trama para funcionar como elemento catalisador das jornadas de dois homens apegados à possibilidade de ser donos do próprio tempo. 

São estabelecidos, visual e narrativamente, paralelos entre a prisão física experienciada por Morán após o roubo e o tempo em que Román amarga uma prisão burocrática no trabalho e sentimental em seu relacionamento monótono.  Ambos à espera do momento em que poderão encontrar a felicidade e viver do dinheiro roubado. Ambos pressionados, numa jocosidade de Moreno, por dois diferentes personagens do mesmo Germán da Silva.

Estruturado em duas partes, Os Delinquentes primeiro foca nas consequências do crime para os protagonistas e seus entornos e depois nas contradições e ironias de seus destinos. Então, entre a densidade da atmosfera urbana portenha e a tranquilidade das serras de Córdoba, flertando com vários gêneros cinematográficos (romance, drama, policial, farsa) e tendo “Adonde Está la Libertad”, clássico Pappo’s Blues de 1971, como destaque na trilha sonora, o filme propõe reflexões sobre valor do tempo livre e o significado do trabalho.

Reflexões que nunca soam afetadas ou ingênuas, já que paira por todo o filme um tom tragicômico que embala também uma crítica de Moreno à miserabilidade e ao escapismo com que seu bancário libertário decide tentar burlar o sistema.

Durante três horas (que definitivamente não demoram tanto a passar), Os Delinquentes elabora com muita essência argentina e imprevisibilidade uma história que trata de expectativas e realidades tangenciando muitas das características de nosso tempo.

Os Delinquentes é o filme representante da Argentina na disputa por uma indicação ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional
Em cartaz nos cinemas brasileiros desde 26 de outubro. Em breve no catálogo da MUBI.

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