Crítica: Perfeitos Desconhecidos

Perfeitos Desconhecidos, último trabalho do diretor espanhol Álex de la Iglesia, acaba de ser adicionado ao catálogo da Netflix – dois dias depois de Iglesia concorrer ao Prêmio Platino de Melhor Direção, no final de abril. O longa é um remake da comédia italiana ‘Perfetti Sconosciuti’, sucesso de crítica, público e euros arrecadados.

A versão espanhola também estreou nos cinemas de seu país de origem com grande êxito. Em seu primeiro dia em cartaz bateu a estreia de Viva – A Vida é Uma Festa, da Disney-Pixar. Mesmo assim, este não deixa de ser um filme polêmico. Em sites onde o público pode deixar avaliações e opiniões, por exemplo, comentários que dizem que a refilmagem beira a galhofa e deixa a desejar não são raros. Um mesmo filme levar seu diretor a concorrer ao Oscar do cinema latino e a receber tais críticas é uma divergência gritante, mas ela tem uma única explicação: o próprio Álex de la Iglesia.

Nem de longe é possível dizer que a adaptação de Iglesia é medíocre – se assim fosse, o diretor não teria sido um dos cinco indicados por Melhor Direção nos Prêmios Platino. Mas o estranhamento do público é justificável. Apesar de manter a sinopse do original, o espanhol não deixou de revestir a obra com seu próprio tom de comédia. A questão é que assistir a qualquer comédia do diretor costuma causar esse tipo de reação “amor ou ódio” – como já foi mencionado na crítica de O Bar.

Imagem: divulgação

A trama de Perfeitos Desconhecidos é simples. Sete amigos de longa data (três casais e um solteiro) se reúnem para um jantar em plena noite de eclipse lunar. Ignorando as lendas que dizem que o eclipse mexe com o controle emocional das pessoas, o grupo decide fazer uma brincadeira. Todos colocam seus celulares sobre a mesa e, á medida que algum dos telefones recebe mensagens, ligações ou e-mails, o dono do aparelho deve compartilhar com os outros o que recebeu. Assim, não demora muito para que os amigos descubram que não se conhecem tão bem quanto haviam imaginado e que muitos segredos circulam entre eles, causando todo tipo de reação.

Durante quase duas horas, o diretor constrói uma atmosfera simultaneamente cômica e tensa. Como em todos seus outros filmes, Iglesia trabalha com extremos de comportamento, com exagero despudorado e às vezes até sórdido. Risos provocados geralmente são risos de nervoso, e a tensão fica a cargo, quase sempre, de situações absurdas e disparatadas.

Muitas das críticas ao longa dizem respeito justamente ao quanto os personagens parecem caricaturais e os diálogos forçados. É importante ressaltar que esse tipo de coisa na obra de Iglesia não é um erro do filme, mas sim seu estilo. Amá-lo ou odiá-lo fica a critério do espectador.

A suspensão da descrença exigida por ele tem muito a ver também com suspender valores individuais e pré-conceitos para ocupar a função plena de observador. Mais do que esperar pela reação dos personagens diante dos segredos revelados, Perfeitos Desconhecidos joga com a tensão do público que fica curioso para saber qual será o próximo telefone a tocar, quem será o próximo amigo exposto e o que ele esconde de todos os outros. Como se dão essas relações tão socialmente mascaradas e forjadas é o grande fio condutor da trama.

Outro dos grandes méritos do trabalho do diretor – e que aqui se faz presente – é a habilidade em conseguir desenvolver toda a narrativa num único espaço cênico sem que a linguagem do filme flerte com o teatral – diferente do que acontece com a versão italiana do longa. Além disso, apesar das altas doses de exagero, o filme consegue caminhar bem na corda bamba entre o propositalmente grotesco e o melodrama barato, sem cair para o lado do segundo.

Imagem: divulgação

Se comparado com o seu antecessor, O Bar, Perfeitos Desconhecidos pode ser considerado até mais contido. Menos espalhafatoso, talvez. Ainda assim, a essência do diretor está ali: os diálogos ágeis, a boa dinâmica espacial em cenários limitados, o exagero. Tudo isso somado a um desenho de produção bastante vistoso e a personagens cujas personalidades são essenciais para o funcionamento da engrenagem narrativa.

A verdade é que não faria sentido lançar o mesmo filme um ano depois da estreia  do original. Por isso, o fato de a versão espanhola ter sido dirigida por alguém de estilo tão marcante é um grande ganho para a produção. Um filme de Álex de la Iglesia é sempre facilmente reconhecido. E este ainda possui a vantagem de beber da fonte temática do italiano e trazer boas reflexões sobre preconceitos velados de uma classe média hipócrita e relações pessoais e tecnologia.

Polêmicas e gostos à parte, é inegável que a cada novo filme o trabalho autoral de Álex de la Iglesia se evidencia. No fim das contas, isso é sempre um ganho para o cinema espanhol e  ibero-americano.

 

Trailer de Perfeitos Desconhecidos (sem legendas):

(Fonte: Universal Spain / Youtube) 

*Perfeitos Desconhecidos foi lançado no Brasil diretamente na Netflix e a versão italiana está disponível para aluguel no Google Play.

 

Ficha técnica

Ano: 2018

Duração: 1h36

Direção: Álex de la Iglesia

Elenco:  Belén Rueda, Eduardo Noriega, Dafne Fernández

Gênero: Comédia Dramática

Distribuição: Netflix

País: Espanha, Itália

 

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