Los Lobos: a infância e a maternidade imigrantes

Lucía (Martha Reyes) viaja do México aos EUA com dois filhos pequenos a tiracolo e um pouco de dinheiro guardado. Como tantos outros imigrantes, seu objetivo é atravessar a fronteira para tentar uma vida melhor. O contexto, já de completa vulnerabilidade, se agrava pela condição de mãe solo da personagem. Inspirado em sua própria experiência de criança imigrante que chegou aos EUA com a mãe e o irmão, criador da trilha sonora do filme, o diretor mexicano Samuel Kishi conta em Los Lobos uma história que combina a dureza de situações de imigração com a sensibilidade da infância.

“Los Lobos”/ divulgação

O longa estreou mundialmente na mostra Geração do Festival de Berlim 2020, onde conquistou o Grande Prêmio do Júri Internacional para Melhor Filme, e tem como eixo narrativo a rotina de adaptação de uma família recém-chegada a Albuquerque, Novo México. Sozinha e completamente deslocada nesse novo espaço, Lucía se vê obrigada a, por exemplo, assumir a difícil missão de transformar um quarto de hotel barato, sujo e destruído, localizado num bairro inseguro habitado principalmente por imigrantes latinos e asiáticos, em abrigo para duas crianças.

Depois, para ter o que dar de comer aos filhos, a personagem é absorvida por duras, extensas e incontáveis jornadas em trabalhos totalmente precarizados. Então, todos os dias enquanto esperam a mãe voltar do trabalho, Max (Maximiliano Nájar Márquez) e Leo (Leonardo Nájar Márquez), de 8 e 5 anos, permanecem trancados no hotel, observando o entorno do bairro pela janela; acompanhados somente por um gravador e uma fita cassete deixada por Lucía com algumas lições de inglês e as regras a serem seguidas. Juntos, os três são como uma alcateia de lobos que deve permanecer unida e trabalhando em sintonia para sobreviver.

SOLIDÃO

Solidão é tema central em Los Lobos. De um lado, a trajetória de uma mãe que não tem nenhum outro adulto com quem compartilhar as sobrecargas de trabalho, o cuidado das crianças ou o peso psicológico e emocional de estar socialmente vulnerável longe de casa. Do outro, Max e Leo assumindo a missão de, tão novos, lidar com a ausência materna e tomar conta um do outro todos os dias, por horas intermináveis e tediosas, num espaço limitado em vários sentidos.

Imagem: divulgação

Então, aos poucos, Lucía, privada de sono, sonhos e da própria individualidade, se torna uma estranha àquele apartamento e às dinâmicas do dia a dia que se estabelece ali, impregnado pelo universo imaginário de desenhos e brincadeiras que os pequenos inventam para gastar energia e suportar o passar do tempo, ansiosos pelo dia em que a mãe poderá cumprir a promessa de levá-los aos parques da Disney.

Como numa fábula, Los Lobos brinca com a alusão a uma mãe lobo e seus lobinhos, comentando a realidade a partir do desenvolvimento de um arco que vai do desencontro ao reencontro das solidões dos três protagonistas e deixando de moral da história o valor da compreensão, do afeto e da cooperação. Da mesma maneira, a configuração visual do filme se mostra surpreendentemente autêntica ao compor uma conexão com o lúdico da infância através de animações que dão forma à imaginação dos meninos, atravessando (e de certa forma aliviando) o contundente retrato realista quase documental da obra.

Assim, entre a crueza da realidade e os artifícios escapistas de duas crianças que apesar de tudo conseguem manter vivas suas ilusões, Los Lobos põe atenção às perspectivas e experiências de deslocamento de cada membro de seu núcleo familiar protagonista sem desconsiderar os tantos outros tipos de experiências de imigração que podem existir ao redor. O resultado é uma obra honesta, comovente e hábil no manejo da ternura e da austeridade.

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Trailer:

(Vitrine Filmes/ YouTube)

Ficha Técnica:

Direção: Samuel Kishi

Duração: 1h35

País: México

Ano: 2019

Elenco: Martha Lorena Reyes, Maximiliano Nájar Márquez, Leonardo Nájar Márquez, Cici Lau

Gênero: Drama

Distribuição: Vitrine Filmes

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