Piedade, de Cláudio Assis, e a exploração petrolífera no litoral de Pernambuco

O fictício bar Paraíso do Mar, localizado na Praia da Saudade, é centro de disputa em Piedade, filme de Cláudio de Assis lançado em pré-estreia online pelo Espaço Itaú de Cinemas no último dia 19, Dia do Cinema Brasileiro.

‘Piedade’/ Divulgação

Construído há mais de 30 anos e gerido por Dona Carminha (Fernanda Montenegro) e seu filho mais velho, Omar (Irandhir Santos), o lugar tem imposto  resistência contra o avanço da especulação imobiliária promovida pela corporação petroleira Petrogreen na área litorânea de Pernambuco.

A determinação de Omar em lutar para proteger seu modo de vida (ou o que resta dele) do extrativismo predatório, porém, é desafiada ainda mais pela chegada do executivo paulista Aurélio (Matheus Nachtergaele). 

Representando os interesses da Petrogreen, o empresário está disposto a tudo para negociar a compra do terreno do Paraíso do Mar em nome de um suposto desenvolvimento para a região; disposto, inclusive, a revirar o passado da família de Omar, revelando vínculos inesperados entre Dona Carminha e Sandro (Cauã Reymond), dono de um cinema pornô do outro canto da cidade.

FILME-DENÚNCIA/ FILME-NOVELA

Escrito por Hilton Lacerda, Anna Francisco e Dillner Gomes, o roteiro de Piedade desenvolve dois contornos que eventualmente se entrelaçam. No primeiro, há um filme-denúncia sobre comunidades espoliadas de seus estabelecimentos e moradias e atropeladas pelo avançar da exploração e da capitalização de recursos naturais.

‘Piedade’/ Divulgação

Cria-se, nesse sentido, uma correlação de significado interessante entre os tubarões predadores animais, que se aproximam das praias e impedem a entrada de banhistas no mar por um desequilíbrio de ecossistema causado pelas atividades da petroleira, e os tubarões predadores do mercado financeiro, que interrompem modos de vida não interessantes ao capital. 

É também sob o viés de comentário social, e a partir de sutis detalhes, que diretor e roteiristas se empenham em compor uma espécie de amplo perfil das questões contemporâneas da sociedade litorânea nordestina.

Ao mesmo tempo, um segundo contorno dá conta de um drama familiar relacionado a dores do passado vindo à tona de forma abrupta e invasiva – arco inspirado em um episódio da vida do diretor.

O VILÃO DA NOVELA DAS 21 HORAS

Piedade certamente se beneficia da grandeza de seu elenco estelar (Fernanda Montenegro e Irandhir Santos, em especial) e da relevância de sua temática. Por outro lado, o filme perde força criativa quando investe no desenrolar de uma relação íntima entre o representante da Petrogreen e  outro personagem.

Matheus Nachtergaele é o antagonista de ‘Piedade’/ Divulgação

Sem dar devida atenção à contextualização do trabalho de Aurélio para a petroleira, optando por envolvê-lo, mesmo que inicialmente motivado pelo sucesso do negócio, de forma pessoal com a família de Omar, o roteiro simplesmente nos oferece como antagonista um homossexual enrustido e ganancioso; cria das “famílias de bem” paulistanas. Trata-se, portanto, de um personagem que facilmente se transforma em típico vilão inescrupuloso e caricatural de novela global do horário nobre.

Não fosse por tal descuido na concepção da abordagem de Aurélio, possivelmente o drama familiar usado como condutor narrativo pareceria menos elementar, deslocado ou excessivamente novelesco.

Leia também: “Aruanas: o futuro depende do feminismo e do ativismo ecológico”

Trailer:

(Fonte: ArtHouse/ YouTube)

Ficha Técnica:

Direção: Cláudio Assis

Duração: 1h39

País: Brasil

Ano: 2020

Elenco: Fernanda Montenegro, Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Cauã Reymond, Mariana Ruggiero, Francisco Moraes

Gênero: Drama

Distribuição: ArtHouse

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