Viva: novo filme da Pixar e o contexto social do México

Viva – A Vida é uma Festa (Coco, no título original) estreia nesta quinta (04) nos cinemas brasileiros. A nova animação da Disney•Pixar é dirigida por Lee Unkrich (Toy Story 3) e conta a história de Miguel, um menino de 12 anos que sonha em se tornar um cantor famoso e que sofre com a desaprovação de sua família diante desse desejo. Determinado a seguir seus objetivos, o garoto acaba envolvido em uma aventura inspirada no feriado mexicano do Dia dos Mortos.

A estreia de Viva no México – no dia 27 de outubro de 2017 – alcançou números extraordinários. No país, o longa teve o maior lançamento do cinema fora das férias de verão e para filmes de animação, atraindo 4 milhões de espectadores no primeiro dia.

Em entrevista ao jornal mexicano El Financiero, o diretor de programação da rede de cinemas Cinemex, Francisco Eguren, disse estar contente com o êxito do filme e atribuiu parte desse sucesso ao ânimo que a obra trouxe ao país – afinal, nos dias 7 e 19 de setembro do ano passado, a população mexicana ficou bastante abalada após os terremotos que deixaram centenas de vítimas fatais e milhares de feridos. “Creio que [a obra] veio como que para dar um abraço nos mexicanos. Ela coloca em evidência o nome do México em todo o mundo e abre portas para que [os demais países] compreendam uma de nossas tradições mais importantes”, declarou Eguren.

Imagem: divulgação

Mas, nem tudo são flores quando o assunto é o lançamento de Viva. Isso porque, apesar de a ideia do longa ter nascido ainda em meados de 2011, o filme chega aos cinemas em um período muito conturbado. O México tem sofrido não somente com catástrofes naturais, mas também com sérios problemas de segurança pública e de corrupção política. O caos sociopolítico que paira sobre o país mostra uma realidade bem diferente daquela que a animação da Pixar entrega para o mundo.

Ironicamente, a infância mexicana vive momentos muito difíceis. E, enquanto os cinemas lucram com as grandes bilheterias de Viva, muitas crianças são ceifadas em meio à guerra às drogas, e muitas delas têm desaparecido ou ficado órfãs ao perderem familiares para a violência.

O Registro Nacional de Dados de Pessoas Extraviadas ou Desaparecidas (RNPED) reporta mais de 33 mil pessoas registradas como desaparecidas no México, entre 1979 e julho de 2017, dos quais pouco mais de 6 mil são crianças e adolescentes – o que representa 18.2% do total de desaparecimentos. 70% dessas 6 mil pessoas, tendo menos de 17 anos, desapareceram durante o atual governo. Entre as causas estão: morte por facções criminosas, adoção ilegal, tráfico de crianças e negligência infantil por parte de coiotes (agentes de imigração ilegal).

Tal fenômeno social vem sendo tratado em alguns dos filmes mexicanos lançados recentemente, sendo, dois deles: A Liberdade do Diabo (exibido no Festival do Rio de 2017) e Vuelven (que ainda não passou aqui pelo Brasil). O primeiro é um documentário que contém relatos de pessoas que, de alguma forma, foram atingidas pela violência. Já o segundo é um filme de terror da diretora Issa López – fortemente elogiado por Stephen King e Guillermo del Toro. Outro jornal mexicano, Excelsior, publicou que “Vuelven conta a história de Estrella, uma menina que tem 10 anos e três desejos: o primeiro é que sua mãe desaparecida volte. E ele se cumpre; sua mãe regressa morta. Arrasada, ela foge. Logo, aprende que os mortos nunca ficam para trás e que, onde a brutalidade manda, os desejos nunca se realizam como o coração gostaria”. Um enredo completamente oposto ao da animação da Pixar.

Nessa linha, o cartunista mexicano Rictus Monero retratou o contraste entre o filme infantil e a brutal realidade mexicana, nesta charge publicada pelo El Financiero:

Charge de Rictus Monero para o El Financiero México. Trad.: “México nos cinemas…/México nas ruas…”.

Mas, é claro, o momento inoportuno não significa que o trabalho do consagrado estúdio hollywoodiano seja ruim. É importante que, em uma época regada de xenofobia ao redor do mundo, e de um presidente estadunidense segregacionista como Donald Trump, as crianças de quaisquer lugares tenham contato com personagens complexos e que fujam dos padrões de cinema infantil. Além disso, o diretor Unkrich e sua equipe parecem ter tomado muito cuidado com a representação das tradições do Dia dos Mortos em Viva.

The New York Times fez um longo artigo sobre as medidas que a Pixar tomou para que Viva – A Vida é uma Festa fosse um filme respeitoso à cultura mexicana. Dentre elas, o texto destaca o fato de que muitos profissionais serviram como consultores culturais externos de origem latina. Essas pessoas poderiam eliminar ideias e sugerir novas, o que mudou totalmente a tradição do estúdio de manter suas portas fechadas durante o processo criativo. Por isso, alguns elementos muito tradicionais estão presentes no longa, como é o caso de xolo, ou xoloitzcuintle (uma raça mexicana de cachorros sem pelo), que é o fiel companheiro do protagonista Miguel, assim como um prólogo animado sobre o papel picado (um tradicional artesanato feito com papel).

As críticas de Viva têm enaltecido bastante a qualidade do filme. Mesmo assim, precisa-se destacar o fato de que a produção da Disney foi feita a partir de um registro olhado de longe; uma obra feita sob a visão de um estrangeiro. A tradição do Dia dos Mortos é uma celebração muito marcante no México, mas não representa a triste realidade do país em sua totalidade – a qual, quem está de fora, não quer ver.

Viva tem, portanto, missões muito difíceis pela frente. Entre elas, levar um pouquinho da cultura mexicana aos mais diversos países e, se possível, voltar nossos olhos a lugares raramente explorados pelas grandes produções cinematográficas. Em terras de Trump, a animação bateu a bilheteria de Liga da Justiça em pleno feriado de Ação de Graças. Veremos como será sua repercussão no Brasil.

 

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