Crítica: A Divisão (Globoplay)

Brasil, década de 1990. O Rio de Janeiro sofre de um aumento assustador no número de sequestros. A onda de crimes ultrapassa a barreira de classes e começa a afetar a elite – as famílias de políticos, apresentadores de televisão e empresários. Entra em ação a força-tarefa da DAS (Divisão Antissequestro), que na época foi “competente” no combate aos sequestros e agora é objeto de interesse de A Divisão, nova série original Globoplay.

Fruto de uma parceria entre a produtora Afroreggae Audiovisual e o canal Multishow, a primeira temporada da produção conta com direção geral de Vicente Amorim e cinco episódios inspirados nesses fatos reais da história carioca.

Imagem: divulgação

O GENOCIDA E O MINEIRO

Mendonça (Silvio Guindane) e Santiago (Erom Cordeiro) são os protagonistas de A Divisão. O primeiro, religioso, é conhecido como genocida; ele é adepto convicto  do vale tudo para resolver os casos, crente de que bandido bom é bandido morto e visto como um delegado altamente eficiente. Já o segundo é um corrupto, chamado de mineiro por “minerar’ as operações de seu departamento; capturando bandidos e depois negociando dinheiro para deixá-los escapar. 

Os dois homens assumem a liderança das operações da DAS quando Camila (Hanna Romanazzi), filha do deputado e futuro candidato a governador Venâncio Couto (Dalton Vigh) é sequestrada. O caso da adolescente toma grandes proporções e serve de gatilho para expor a tensões da segurança pública brasileira: abusos de poder, conflitos de interesse, politicagens, disputa de egos, oportunismo, genocídio da população pobre e negra.

Depois disso, as atividades cotidianas da divisão policial passam a ser retratadas pela série a partir de divergências de opinião dos protagonistas e seus colegas  sobre como conduzir as investigações, negociações e resgate. 

Falar de segurança pública no Brasil é complicado, e a dificuldade de tratar do tema via entretenimento se apresenta em A Divisão. Por vezes, a produção oferece diálogos pontuais com jeito de denúncia; em outros momentos, entretanto, se deixa levar pela atrativa possibilidade de investir na natureza magnética das séries policiais, optando por colocar perseguições, matanças, cadáveres, tiroteios, degolamentos e outros tantos tipos de imagens de violência em cena.

Santiago (Erom Cordeiro) e Mendonça (Silvio Guindane) / Divulgação

SANGUE ESGUICHANDO NA TELA 

Não há heróis em A Divisão. Há, na verdade, justiceiros e instituições corrompidas. Há barbaridade. Inúmeras mortes de policiais e civis e completa ausência de direitos humanos, consequência de uma rotina de trabalho militarizado regada a arbitrariedades que todo mundo sabe que acontecem, mas que ninguém tem interesse em mudar.

Tudo isso abriria margem para discussões importantes, não fosse o perigo do lugar comum. Mostrar sangue na lente, tortura e policiais subindo o morro para perseguir bandidos ou questionar de leve a máxima de que os fins justificam os meios não é nenhuma novidade. Pode ser inebriante, sim, mas pelas razões erradas. A série não apresenta, pelo menos até agora, contexto firme o suficiente para justificar tanta espetacularização de violência.

Como resultado, parece que a produção almeja pegar carona na figura do policial “politicamente incorreto”, consolidada no imaginário brasileiro com sucesso de filmes como Tropa de Elite. O problema é que todos os importantes temas colocados pelo roteiro acabam, graças ao frenesi da direção, em segundo plano.  Além disso, em vez de tratar policiais como trabalhadores precarizados, desumanizados e inseridos de diversas maneiras nas estruturas corrompidas do sistema, a série opta pela facilidade das figuras do herói controverso e do vilão infiltrado.

A Divisão não é uma obra audiovisual mal feita. Ela tem bons efeitos, ótimo elenco, fotografia planejada. Mas será mesmo necessário construir cenas vertiginosas de sangue esguichando na tela para desenvolver determinadas discussões em séries policiais brasileiras? Não é possível começar a explorar o gênero sob outros ângulos? Se a realidade é bruta e o momento é de convulsão social, não seria o caso de arrojar o discurso, procurando saídas narrativas e estéticas mais afirmativas e menos explícitas?

Trailer:
(Fonte: Globoplay/ YouTube)

Ficha técnica

Direção: Vicente Amorim

País: Brasil

Ano: 2019

Elenco: Silvio Guindane, Erom Cordeiro, Marcos Palmeira, Hanna Romanazzi, Dalton Vigh

Gênero: Policial

Distribuição: Globoplay

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