A Passagem do Cometa: o aborto no cinema fantástico de Juliana Rojas

É fevereiro de 1986, última vez em que o cometa Halley, que “visita” a Terra a cada 75 anos, pôde ser visto. Numa  clínica clandestina de abortos, algumas mulheres estão reunidas.

A secretária Júlia (Mariza Junqueira) e Dra. Adelaide (Gilda Nomacce) estão trabalhando. Thais (Ivy Souza) chega discretamente para fazer um aborto, com sua amiga Manoela (Nana Yazbek) como acompanhante. Mais tarde, Jandira (Helena Albergaria) surge repentinamente precisando de ajuda por conta de um aborto caseiro que aparentemente deu errado.

Imagem: divulgação

A partir das poucas horas compartilhadas por essas cinco mulheres, Juliana Rojas desenvolve a trama de A Passagem do Cometa, curta-metragem que trata o aborto como questão de saúde e de direito da mulher, sem apelar para julgamentos morais e religiosos ou sentimentalismos ignorantes.

Neste curta, Rojas não se preocupa em explicar os motivos que levam parte de suas personagens a uma clínica clandestina e outra parte a trabalhar com algo ilegal. Em vez disso, a diretora  se empenha em retratar o cerne da dinâmica do aborto ilegal e suas possíveis consequências.

Pouco a pouco, toda a ambientação oitentista envolvente de A Passagem do Cometa abre espaço para uma realidade que segue bastante  atual: a das mulheres brasileiras que ainda hoje têm a  autonomia sobre seus corpos negada pelo Estado.

Nesse contexto de privação de direitos, mulheres que possuem dinheiro para pagar uma clínica clandestina conseguem realizar o procedimento com alguma segurança. Mas existe também uma maioria de mulheres que, sem condições financeiras, tentam pôr fim às gestações indesejadas sozinhas, colocando suas próprias vidas em risco.

Em todo o curta não há a presença de um único homem. Homens aqui não são protagonistas ou coadjuvantes. São a sombra da ausência, da opressão, da violência. Eles sequer são mencionados, mas a condição social de privilégio que ocupam está toda ali, exposta nas entrelinhas, nos olhares, nas preocupações, nos pesares.

Imagem: divulgação

Sem perder de vista as características de seu cinema de gênero fantástico, Rojas usa o cometa Halley como alegoria para dar peso às expectativas sobre algo que está rompendo um ciclo. O cometa passa a cada 75 anos, vê-lo é um acontecimento muito  específico, tal como o ato de abortar – ao contrário do que muita gente pensa, legalizar o aborto não significa torná-lo um hábito corriqueiro.

Não bastasse a temática e o roteiro impecáveis, o curta ainda conta com uma tocante e belíssima cena que mistura animação e musical – gênero explorado pela diretora nos longas Sinfonia da Necrópole e As Boas Maneiras – para falar poética e francamente  sobre a subjetividade da mulher que precisa abortar.

A Passagem do Cometa é portanto, um curta delicado, respeitoso e sutil, mas também  forte, necessário e desafiador. Sem dúvidas, trata-se de uma abordagem original sobre o aborto. São 20 minutos intensos de cinema nacional da melhor qualidade.

 

Para assistir ao curta clique aqui.

 

Ficha técnica

Ano: 2017

Duração: 21 min

Direção: Juliana Rojas

Elenco: Gilda Nomacce, Helena Albergaria, Ivy Souza, Mariza Junqueira, Nana Yazbek

Gênero: Drama, Fantasia, Musical

Disponível: Porta Curtas

País: Brasil

 

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