[Crítica] Bom Dia, Verônica, da Netflix, surpreende positivamente

Uma mulher tira a própria vida no meio do Departamento de Homicídios da polícia de São Paulo. Verônica Torres (Tainá Müller), a escrivã da delegacia, vê tudo acontecer diante de seus olhos. O fato é tratado pelos delegados do lugar como um simples inconveniente causado por uma mulher “emocionalmente instável”. Em Verônica, porém, o “incidente” provoca efeitos dilacerantes. De repente, toda a burocracia legal em que ela confiava como sistema eficiente de justiça começa a deixar de fazer sentido. A falta de interesse dos colegas em investigar as causas do suicídio, somada a um chamado de ajuda de Janete (Camila Morgado), vítima de violência doméstica, fazem crescer em Verônica uma enorme frustração, que logo se transforma em obsessão e sede de justiça.

Divulgação

Em 2016, o escritor Raphael Montes e a criminóloga Ilana Casoy lançavam, sob o pseudônimo de Andrea Killmore, o livro Bom Dia, Verônica. Alguns anos depois, já com as identidades reveladas, os dois se reencontraram com a história para adaptá-la como série original Netflix. Com título homônimo ao do livro, a produção Netflix marca a estreia de Raphael Montes, um dos autores mais populares do Brasil, como criador audiovisual. No projeto, Montes ainda ocupa as funções de roteirista-chefe e produtor-executivo. Casoy, além de produtora-executiva, trabalhou na adaptação do roteiro.

Na trama, Verônica, casada e mãe de dois filhos, demonstra extrema empatia pelas mulheres vulneráveis que cruzam seu caminho. Marcada por seus próprios traumas, cansada de ser subjugada pela hierarquia corrupta do trabalho e frustrada por assistir de camarote ao descaso com que são tratados pela legalidade os crimes de gênero, a protagonista deste thriller policial (o primeiro original Netflix feito no Brasil) é tomada por um processo quase doentio de obstinação; algo que, aos poucos, culmina na decisão questionável e perigosa de resolver casos por conta própria.

O MODO RAPHAEL MONTES DE CONTAR HISTÓRIAS

Raphael Montes é famoso por desenvolver tramas enervantes, que vão fundo no que há de mais torpe no comportamento humano e social e que costumam, não raras vezes, chocar o leitor. Como não poderia ser diferente, esse tal modo Raphael Montes de contar histórias marca presença também na primeira criação audiovisual do escritor.

‘Bom Dia, Verônica’/ Divulgação

Surpreendendo positivamente, Bom dia, Verônica consegue manter a essência do trabalho de Montes sem deixar de lado as particularidades narrativas exigidas pelo novo formato da história. A violência extrema e a sordidez típica do universo de seus personagens sempre controversos, por exemplo, estão ali. Felizmente, porém, o enredo nunca confunde o visceral com mau gosto – risco que deve ter sido avaliado na hora da adaptação, já que a violência gráfica de uma série pode comunicar bem diferente das descrições de um livro.

Assim, destacam-se o bom funcionamento da combinação entre ação, suspense e drama como método narrativo e a criação de um universo ficcional complexo e convincente, onde é possível que, ao mesmo tempo, a trama percorra temáticas caras à sociedade brasileira e desenrole o enfrentamento entre um assassino em série e uma justiceira. 

Ademais, embora na forma não se diferencie muito de outros tantos thrillers policiais lançados pela Netflix, a série resulta muito bem feita; engrandecida especialmente pelas interpretações impressionantes do elenco – destaque para os ciclos de desamparo, desespero e  submissão da personagem de Camila Morgado, a psicopatia misógina do Brandão de Eduardo Moscovis e a crescente de obsessão alcançada por Tainá Müller.

Por certo não se pode dizer que Bom Dia, Verônica seja exatamente agradável de assistir, mas, sem dúvidas, é uma ótima e alucinante produção nacional.

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Trailer:

(Fonte: Netflix Brasil/ YouTube)

Ficha técnica 

Criação: Raphael Montes

País: Brasil

Ano: 2020

Elenco: Tainá Müller, Camila Morgado, Eduardo Moscovis, Elisa Volpatto, Silvio Guindane, Cesar Mello, Adriano Garib, Antonio Grassi

Gênero: Thriller Policial

Distribuição: Netflix

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