[Coluna] É tempo de resistir. É tempo de se inspirar no filme Tatuagem

Este texto poderia ser um apanhado de indicações de filmes sobre o período da ditadura civil-militar brasileira, sobre a crueldade das torturas, a brutalidade da vida nos anos de chumbo, a indiferença da população civil diante da barbárie. Conhecer nossa história é fundamental, com certeza. Mas decidi fazer outro tipo de texto. Decidi que este texto seria sobre resistência, sobre como seguir em frente depois de termos eleito o fascismo nas urnas. Depois de termos arriscado nossa jovem e já problemática democracia. É por isso que precisamos falar sobre Tatuagem.  

O filme do pernambucano Hilton Lacerda narra o encontro entre o artista Clécio (Irandhir Santos) e o militar Fininha (Jesuíta Barbosa) na cidade de Recife, em 1978. Clécio é o líder da trupe teatral Chão de Estrelas, grupo que realiza apresentações cheias de deboche e provocações ao que é considerado moralmente correto pela sociedade, e mantém um relacionamento com Paulete (Rodrigo Garcia), estrela das apresentações. Fininha pertence a outro ambiente. É um jovem militar introvertido, de família religiosa, humilde e conservadora.    

Fininha (Jesuíta Barbosa) e Clécio (Irandhir Santos) / divulgação

Um dia, Fininha vai ao espaço do Chão de Estrelas visitar Paulete, sua cunhada. Ali, o rapaz fica encantado com o novo mundo que se abre diante de seus olhos. Um mundo cheio de possibilidades, conhecimento, questionamentos e esperança. Não demora muito para que ele e Clécio engatem um intenso romance. A partir daí, Fininha se vê dividido entre dois mundos: o da liberdade, junto da comunidade do teatro, e o da repressão do quartel, em plena ditadura civil-militar.

Tatuagem poderia ser bem resumido, então, como um encontro improvável entre o que é conservador (monocromático, repressivo, duro, antiquado e retrógrado) e o que é  progressista (colorido, flexível, revolucionário); como um retrato dos conflitos da convivência entre dois mundos. Um encontro poético, mas não romantizado, afinal, o contexto social e político de um regime autoritário é perfeitamente capaz de esmagar os indivíduos; e Tatuagem não se  recusa a retratar os obstáculos impostos a quem resiste em meio à tirania.  Por isso é um filme tão importante para o Brasil 2018.

Vivemos tempos de desesperança. Os poucos direitos conquistados pela luta das minorias sociais ao longo dos anos estão ameaçados. A violência legitimada pelo governo eleito ameaça a existência de negros, indígenas, mulheres, lgbts+, imigrantes, ambientalistas, professores e pobres. Pessoas têm morrido por terem posicionamentos políticos progressistas. O medo e terror já perpassam nossos corpos e nosso cotidiano.

Fininha (Jesuíta Barbosa) no quartel / divulgação

Daí a importância de tirarmos inspiração dos que lutaram antes de nós. Daí a importância da ode à resistência feita por Tatuagem. Se o galpão da trupe Chão de Estrelas, com toda sua cor e musicalidade, encanta – e também incomoda -, é porque é espaço de luta. Porque ali há vida e pensamentos que pulsam sem amarras.

O contraste entre o quartel de Fininha e o espetáculo de Clécio e Paulete é o contraste do Brasil de hoje. A amargura da violência não suporta a alegria do coletivo. É por isso que nossas existências precisam ser afirmadas todos os dias, enquanto indivíduos e enquanto comunidade. Somos muitos. Seguiremos pela vida de Marielle, seguiremos pela vida de mestre Moa.

Lidemos com a dor do medo – tentando sempre nos proteger, mantendo a nossa segurança e a dos que estão vulneráveis ao nosso redor –  e trabalhemos o afeto. É preciso desenvolver nosso senso de comunidade. É hora de entrarmos na batalha simbólica pelo imaginário popular, afastando o obscurantismo, o discurso pró-desconhecimento e a crueldade. É imprescindível que nos posicionemos, que entremos na disputa por cada centímetro de espaço e de narrativas.

Imagem: divulgação

Vamos imaginar um futuro possível, vamos conversar sobre soluções para violência, desemprego e saúde, sim; mas também incentivar os diálogos sobre internet, cinema, artes visuais, teatro e música. Grande parte de nossas futuras batalhas serão no campo da subjetividade. É preciso incentivar a criatividade, a criação – e não deixar passar a destruição e a ignorância.

As barreiras impostas pelo sistema capitalista e patriarcal parecem intransponíveis. Mas que consigamos, com todas as nossas limitações e cada um à sua maneira,  pelo menos mostrar que outras possibilidades de mundo existem. Assistam a Tatuagem. É hora de buscar inspiração, escancarar as cortinas e propor outro tipo de show.

*Tatuagem está disponível para aluguel e compra no Google Play. Assista ao trailer: 

(Fonte: Tatuagem, o filme / YouTube)

Ficha técnica

Direção: Hilton Lacerda

Duração: 1h50

País: Brasil

Ano: 2013

Elenco: Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo García, Sílvio Restiffe

Gênero: Drama

Distribuição: Imovision

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