[Entrevista] Meu Nome é Bagdá: “O feminino no plural nos fortalece”, diz diretora

Em 16 de outubro, quase dois meses depois da jovem Rayssa Leal encantar o Brasil conquistando uma medalha de prata na estreia do skate como modalidade olímpica em Tóquio, Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza, chegou aos cinemas do Brasil e da França.

Imagem: divulgação

O longa, exibido pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Berlim de 2020, onde recebeu o prêmio do júri na mostra Geração, dedicada a filmes que abordam a realidade de jovens ao redor do mundo, tem como protagonista uma  garota skatista de 17 anos que vive na Freguesia do Ó, periferia da cidade de São Paulo. 

Interpretada por Grace Orsato, em seu primeiro papel no cinema, a personagem-título transita cotidianamente entre os encontros e os contrastes de femininos e masculinos. Isso porque a garota se divide entre passar tempo com a mãe Micheline (Karina Buhr), as duas irmãs, Bia (Helena Luz) e Joseane (Marie Maymone), e as amigas da mãe e andar de skate com um grupo de meninos skatistas do bairro.

Longe de performar estereótipos de feminilidade, Bagdá protagoniza uma trajetória de busca por pertencimento. Em casa, sendo criada por uma mãe solo, no salão de beleza de Gilda, interpretada pela performer Paulette Pink, ou no bar comandado a pulsos firmes por Gladys (Gilda Nomacce), a garota encontra espaços seguros e acolhedores para, com espontaneidade, manifestar seus conflitos sobre ser mulher. Já na rua, ela é confrontada na prática pelo valor do empoderamento feminino e pela hostilidade do assédio, da lgbtfobia e do machismo. Diante de inúmeros dilemas impostos pela juventude, Bagdá parece encontrar seu lugar no mundo quando finalmente se enturma com um grupo de meninas skatistas.

Além do elenco principal, Meu Nome é Bagdá conta com profissionais mulheres no roteiro, direção, produção, fotografia e direção de arte.

Confira a seguir a entrevista da diretora Caru Alves de Souza ao Francamente, querida!

Meu Nome é Bagdá/ divulgação
Francamente, querida!: Como surgiu a história do filme? Desde o início você sabia que contaria a história de uma skatista? 

Caru Alves de Souza: O filme é uma adaptação livre do romance infanto-juvenil de Toni Brandão, “Bagdá, o skatista”, cujo protagonista é um menino skatista da periferia de São Paulo. Ao longo do processo de desenvolvimento do filme me dei conta de que queria escrever a história do ponto de vista de uma menina, e foi aí que surgiu a ideia de que Bagdá se transformasse em uma menina skatista.

FQ: E como foi adentrar esse universo do skate? O que mais te chamou atenção?

CAS: Foi muito interessante adentrar o universo do skate. Eu mesma não sou skatista, então tive muito cuidado em construir esse universo dentro do filme junto com as atrizes e os atores skatistas. Muitas coisas são interessantes no universo do skate, a primeira delas é a ocupação que esses jovens fazem da cidade. Elas e eles fazem uma leitura muito distinta das ruas, as ocupam de uma maneira que quem não é skatista não o faz, e isso é muito importante se considerarmos que as cidades costumam ser muito hostis aos jovens, principalmente aos jovens de periferia. Assim, ocupar as ruas das cidades com as rodinhas do skate é um ato político muito importante, uma forma de subverter o espaço público. Se pensarmos desde o ponto de vista de mulheres skatistas, isso pode alcançar uma potência muito grande. O outro conceito que me chama muito a atenção no skate e que trouxe também para o filme é a ideia de que quando uma skatista ou um skatista está em cima de um skate, o tempo para, o tempo adquire um outro tempo e isso é um conceito muito lindo. “Parar o tempo” dentro da sociedade capitalista, que controla o tempo todo como utilizamos o nosso tempo, é um ato político muito potente. Assim, me identifiquei muito com a dimensão política e a potência que o skate pode ter e tentei trazer isso para o filme.

FQ: Como foi encontrar Karina Buhr, Gilda Nomacce e Grace Orsato para compor um elenco tão especial de mulheres?

CAS: Já havia trabalhado com a Gilda em meu primeiro longa-metragem e sou muito fã de seu trabalho, assim que a convidei para fazer uma personagem em “Meu nome é Bagdá”. Também havia colaborado em um experimento cênico com a Karina Buhr e outras atrizes feito pelo Coletivo Vermelha para o SESC Pompéia, e quando estávamos na etapa de pré-produção do filme, pensando qual o perfil da Micheline (personagem interpretada por Karina Buhr), lembrei da Karina. Rafaella Costa (produtora do filme) e Paula Pretta (produtora de elenco do filme) concordaram que Karina tinha o “punch” que queríamos para a personagem. A convidamos para fazer alguns testes, muito mais para entender a dinâmica da família, e Karina trouxe um universo muito rico para a personagem. A Grace foi a Paula que encontrou andando de skate com suas amigas (algumas delas entraram no elenco do filme, como a Giulia Bel e a Luh Barreto), as chamou para um teste e fizemos vários ensaios com elas e os outros skatistas até chegar no elenco final.

“O feminino no plural nos fortalece. Eu acredito muito que as mulheres se fortalecem no coletivo e não no individual, ainda que as individualidades devam ser respeitadas”.
FQ: Podemos considerar Meu Nome é Bagdá como um filme sobre femininos, no plural? Quão importante para composição de um filme como esse é ter também uma equipe de mulheres atrás das câmeras?

CAS: Com certeza o filme trabalha com a ideia de que não existe apenas um feminino, mas vários femininos. Há uma diversidade de corpos, histórias, pontos de vista, etc. que é muito rica e não pode ser homogeneizada. E também o feminino no plural nos fortalece. Eu acredito muito que as mulheres se fortalecem no coletivo e não no individual, ainda que as individualidades devam ser respeitadas. E é tão importante ter essa diversidade no elenco como na equipe técnica e criativa de um filme, por isso Rafaella e eu tentamos compor um elenco e equipe com muitas mulheres.

FQ: O skate estreou como esporte Olímpico agora em 2021 e as atletas brasileiras fizeram história, principalmente Rayssa Leal, uma garota de 13 anos. Como você e a equipe do filme sentiram essa coincidência?

CAS: A verdade é que foi uma coincidência, quer dizer, sabíamos das olimpíadas mas não podíamos imaginar que a Rayssa fosse ganhar uma medalha. Não que seja algo inusitado, pois tanto o skate feminino quanto o masculino têm um nível muito alto no Brasil. E o skate feminino vem ganhando muita força nos últimos anos, as meninas arrasam demais no skate e vêm treinando e andando de skate há muito tempo. Isso foi muito massa, nos sentimos muito felizes de fazer parte de alguma forma dessa história do skate feminino.

Imagem: divulgação
FQ: Como a pandemia mudou sua experiência de lançar um filme?

CAS: Bom, mudou muito pois agora mais que nunca temos que dar o mesmo peso para o lançamento em salas de cinema, plataformas de streaming e canais de televisão. As pessoas no mundo inteiro estão voltando pouco a pouco aos cinemas e as plataformas de streaming ganharam muitos assinantes durante a pandemia, assim que hoje em dia temos que fazer um lançamento que pense em todas essas janelas de forma igual. Eu penso assim, ao menos. E há espaço para todos se coordenarmos bem. Acho um despropósito pensar que os cinemas acabaram: um filme é feito para passar no cinema e a experiência do cinema é algo insubstituível tanto do ponto de vista técnico quanto humano e social. Nada substitui a experiência de ir ao cinema. Mas a plataforma streaming é muito importante também, principalmente porque aumenta o alcance do filme. Além disso, a situação dos cinemas, principalmente no Brasil, está muito complicada. Na França, por exemplo, o governo está dando muita ajuda para os cinemas de rua não fecharem, e com a diminuição da incidência de casos de coronavírus e aumento de vacinados,  as pessoas vão voltando pouco a pouco aos cinemas. Mas no Brasil, sem ajuda do governo – que inclusive a nível federal faz exatamente o oposto, destruindo qualquer política pública para a cultura – e sem a diminuição drástica dos casos de coronavírus, nos encontramos em uma situação bastante dramática.

FQ: Há previsão de estreia do filme em alguma plataforma de streaming?

CAS: Há sim, em breve, mas ainda não podemos divulgar nada a respeito. Estamos muito felizes com essa venda e animadas para que o filme seja visto por mais pessoas. De qualquer maneira, o filme segue em cartaz nos cinemas e queria convidar a todas e todos e todes a irem ao cinema se se sentirem confortáveis, é muito legal ver o filme no cinema!

.Assista ao trailer de Meu Nome é Bagdá:

(Meu nome é Bagdá/ YouTube)

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