O relatório OBITEL (Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva) de 2016 – que corresponde à análise de dados das produções audiovisuais ficcionais da televisão dos países latino-americanos – apresentou um tópico que aborda a tendência da televisão aberta brasileira de se organizar em nichos temáticos, como já é o caso das novelas da RecordTV, SBT e Band. Essa tendência aproxima-se um pouco da dinâmica das séries de TV, que se apresentam em gêneros (policial, drama, ficção científica, etc.).
Depois de algumas minisséries bíblicas, a Record, em 2015, lançou a telenovela Os Dez Mandamentos, primeira novela com viés completamente religioso do país. A trama, que durante seu episódio final alcançou altos índices de audiência e levou a hashtag #MarVermelho aos trending topics mundiais do Twitter, consolidou o segmento religioso na emissora na faixa das 20h30. Hoje, a RecordTV conta com uma audiência cativada por esse tipo de produção voltada ao nicho religioso.
Outro nicho identificado é o infantil, no SBT. De acordo com o relatório, ele vem sendo sedimentado desde 2012, quando as telenovelas infantis conquistaram seu espaço fixo na grade e mantiveram uma boa audiência – como é o caso de Chiquititas, Cúmplices de um Resgate e a reprise de Carrossel. O SBT sempre exibiu novelas mexicanas, incluindo as infantis, mas apostar em remakes nacionais dessas novelas parece ter sido mais eficiente ao cativar essa audiência. Por vezes, os índices das tramas infantis bateram os das novelas religiosas da Record, ficando atrás apenas da Rede Globo.
A Band, por sua vez, passou a investir na exibição de telenovelas turcas como Mil e Uma Noites e Fatmagül. Esse nicho não costuma entrar na briga pela liderança na audiência, mas atende a um público específico que se fidelizou.
Esse tipo de segmentação da programação ficcional das emissoras acarretou em consequências tanto dentro como fora da televisão. O SBT, por exemplo, explora suas telenovelas e seu público de nicho para lançar produtos licenciados – como a marca Chiquititas e o filme infantil proveniente de Carrossel.
Já o fenômeno de Os Dez Mandamentos fez com que a Record produzisse uma nova temporada da novela. A emissora ainda lançou dois livros baseados na trama, assim como um filme para o cinema, que, apesar da polêmica dos ingressos vendidos, foi a maior bilheteria nacional de 2016 – a produção bateu Tropa de Elite 2, se tornando o filme nacional com mais ingressos vendidos desde 1970. No entanto, os números não significam que ele tenha sido o filme mais visto, considerando que mesmo que muitas sessões tivessem os ingressos esgotados, por conta de vendas coletivas para igrejas, as salas estavam vazias durante as exibições.
Por anos, as comédias nacionais e os filmes policiais – como o próprio Tropa de Elite – foram líderes intocados do mercado cinematográfico brasileiro. Hoje, as produções religiosas derivadas da televisão brigam por seu espaço não apenas nas salas de TV, mas também nas plataformas digitais.
A Netflix, além de abrigar em seu catálogo uma das temporadas de Os Dez Mandamentos, também anunciou que comprou os direitos de exibição do filme Nada a Perder, uma cinebiografia do fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo – também proprietário da RecordTV. O filme será disponibilizado três meses depois de seu lançamento nos cinemas, em todos os países onde a empresa de streaming atua.
Essa movimentação demonstra uma segurança em relação a uma boa performance do filme sobre Edir Macedo nos cinemas, baseado, é claro, nos números alcançados por produtos religiosos já lançados. Em grande parte, essa segurança se deve à dinâmica na qual um público nichado, atendido conforme suas demandas, garante o sucesso do que lhe é oferecido, por ser um público fiel.
Ao que tudo indica, os nichos da televisão brasileira não apenas estão se consolidando como uma tendência, como também estão se expandindo para outros setores do audiovisual. Mais alguns anos serão necessários para afirmarmos com certeza se esses movimentos se estabelecerão no mercado, por definitivo ou não. De qualquer maneira, esses processos não mudam os problemas ocasionados por audiências concentradas nas mãos de grandes conglomerados, mas sim, só mudam eventualmente de estética. Da estética da comédia para a religiosa, à policial, e assim por diante.
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