O Fantasma dos Filmes Latinos: por que a má distribuição afeta nosso cinema?

Durante o Festival de Cinema Latino-Americano 2017, aconteceu a edição do Cinema da Vela no Cinesesc, cujo tema era: “O jovem no Cinema Latino-Americano”. A proposta do debate era, como o próprio nome diz, discutir a representação dos jovens em filmes latinos, considerando sua relação com a cidade em que vive, questões de gênero e o contexto sociopolítico inserido. Há dois anos, a abertura do festival exibiu o filme Mãe Só Há Uma, de Anna Muylaert. Já, no ano passado, o evento abriu com Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano. Ambos os filmes são brasileiros e tratam, dentre outros temas, da sexualidade juvenil.

Contudo, quando diretores de diferentes países reúnem-se para discutir cinema, é pouco provável que o assunto não passe pela questão da distribuição. Distribuir um filme significa que cada um deles é divulgado e exibido de maneiras diferentes ao redor do mundo, graças à disponibilidade de investidores culturais – sejam governamentais ou privados –, demanda do público, classificação indicativa e uma série de outros detalhes específicos a cada lugar. A distribuição torna-se um tema ainda mais delicado quando tratamos do chamado cinema alternativo.

Jorane Castro, que estava presente no debate em questão, é uma cineasta paraense. Depois de trabalhar em alguns documentários, ela lançou seu primeiro longa de ficção, Para Ter Onde Ir (2016); uma história sobre três mulheres, muito diferentes umas das outras, que embarcam em uma road trip pelo Pará, a fim de resolverem problemas pessoais. Tudo isso embalado por muito tecnobrega.

Você, provavelmente, não teve acesso a esse filme, não é? Afinal, a esmagadora maioria da população brasileira não teve. Primeiro, porque esse tipo de filme não chega às salas dominadas pelos blockbusters. E, se chega, não até todas as cidades. Algumas cidades do Brasil sequer possuem uma sala de cinema. O público, por sua vez, dificilmente vai querer pagar por um ingresso caro para assistir a – e apostar em – um filme que foge dos padrões aos quais está acostumado, assim como da narrativa e estética familiares do cinema nacional comercial – vide as comédias que levam mais de 1 milhão de espectadores aos cinemas em semanas.

Os problemas na distribuição são inúmeros, estruturais e estão enraizados em nossa cultura popular. Mesmo com tantos motivos para simplesmente desistir de lançar um filme brasileiro de pequeno apelo, existem pessoas como Jorane, que resistem e nos entregam um cinema político e engajado.

Para Ter Onde Ir é um longa realizado em Belém do Pará. Até onde se sabe, o primeiro da região dirigido por uma mulher, que conta com um elenco inteiramente paraense e que recebeu pouco mais de 1 milhão de reais para ser executado de maneira profissional, utilizando somente equipamentos de Belém. Para Jorane, seu filme tem uma qualidade de pioneirismo, que abraça a possibilidade de gravar na Amazônia e fugir do eixo Rio – São Paulo.

‘Para ter onde ir’ / Divulgação

Se, para termos acesso aos nossos próprios filmes nacionais, já é complicado, conseguir saber da existência do cinema de países vizinhos é mais difícil ainda. Existe até uma “piadinha” comum a quem está um pouco mais familiarizado com o tema, que diz que “todo filme argentino tem o ator Ricardo Darín”. A verdade é que quase todo filme argentino, a que temos acesso, pelo menos, tem mesmo o Darín no elenco – como O Segredo dos Seus Olhos (2009), Relatos Selvagens (2014) e Truman (2015).

Infelizmente, nossa proximidade afetiva e cultural ao cinema está muito mais ligada ao dos EUA, do que ao de nossos companheiros de América Latina. Não existe um acordo de distribuição cinematográfica para fazer com que produções circulem entre os países latinos. Não há uma unidade sociopolítica e nem medidas protecionistas em relação a nossos filmes, como acontece na França, por exemplo – que, inclusive, anunciou recentemente que irá começar a cobrar impostos de plataformas como YouTube e Netflix, e que serão revertidos a favor do Centro Nacional de Cinematografia (CNC), a fim de financiar o cinema nacional francês. O Chile, para citar um país, sequer conta com um canal público que transmita seus filmes nacionais na televisão.

Mas, nem tudo está perdido. Contamos com pequenas – mas essenciais – iniciativas que trilham bons caminhos. A Ibermedia TV  transmite 52 filmes da América Latina, Espanha e Portugal, um por semana, nos canais de TV latino-americanos inscritos no programa. No Brasil, o Canal Brasil possui uma programação muito rica, nesse sentido. Além do que, 2017 trouxe alguns outros projetos interessantes, como a Spcine Play e a Descoloniza Filmes.

A Descoloniza Filmes é uma distribuidora nacional que nasceu com a proposta de priorizar obras dirigidas por mulheres, produzidas fora dos EUA e da Europa Ocidental, e com temáticas que contribuam com a reconstrução de “uma nova forma de pensar”. Entre seus filmes, estão Híbridos – Os Espíritos do Brasil (2017) e Minha Amiga do Parque, que será lançado no dia 18 de janeiro deste ano. Já a Spcine Play é um serviço de vídeo sob demanda com foco no cinema nacional. A plataforma permite que o público alugue os filmes do catálogo – que ainda conta com poucas opções – por R$ 3,90. Entre os títulos estão O Menino e o Mundo (2014) e Mãe Só Há Uma (2016).

É claro que, em larga escala, esses serviços significam somente pequenos passos no mercado de distribuição e divulgação de filmes latinos. O Brasil, infelizmente, mal conhece obras dos demais países, e vice-versa. Esses filmes acabam por não circular aqui e, a partir disso, não é desenvolvido o hábito de consumir tal tipo de conteúdo e nem de alimentar um imaginário coletivo nosso, latino. Por isso, como ato político, é sempre válido pagar por ingressos de filmes menores. E aí, já deu uma chance a um deles hoje?

‘Para ter onde ir’ / Divulgação

 

 

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