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Euphoria (HBO): adolescência e magnetismo
Em pleno Setembro Amarelo, saiba como evitar a influência negativa de filmes sobre depressão
[Texto postado originalmente em 21 de junho de 2018. Atualização: 5 de setembro de 2018].
Quando o assunto são doenças mentais, a indústria cultural peca por não saber lidar com a temática de modo realista. Muitas vezes, em meio à ganância de produzir e vender conteúdo audiovisual, diversos longas-metragens ou séries de televisão abordam doenças, como transtorno de ansiedade generalizada e depressão, de maneira bastante irresponsável.
Produções como 13 Reasons Why, série da Netflix que fala sobre bulliyng e suicídio, são criticadas por conterem cenas detalhistas de práticas violentas – como o próprio suicídio da protagonista Hannah Baker (Katherine Langford), cuja morte é exposta passo a passo. “Há vários manuais, tanto da OMS [Organização Mundial da Saúde] quanto de associações nacionais e internacionais de prevenção do suicídio, em relação a como os profissionais de imprensa devem retratar a questão do suicídio“, comenta o Dr. Neury Botega, psiquiatra da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O QUE É O TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA?
Para que possamos avaliar quando um produto da indústria cultural se torna mais nocivo ao público do que qualquer outra coisa, precisamos entender o que são o transtorno de ansiedade generalizada e a depressão. “É a ansiedade, dimensão fisiológica e psicológica do desconforto, que nos move para a frente. Ela é natural e necessária. Ocorre que, se a ansiedade for em demasia, ela mais ‘esquentará o motor’ do que promoverá mudanças. É quando a ansiedade pode ser encarada como patológica.”, explica Botega.
O real problema de determinada produtora ou equipe, ao lançar um filme com temática suicida no mercado, é a dificuldade que esses profissionais têm de representar a depressão com certos cuidados.
Segundo o psiquiatra, ainda não se sabe exatamente o que causa depressão em um indivíduo. “Parece ser uma combinação de propensão biológica com acontecimentos da vida – da vida desde os primeiros dias da infância. Se uma pessoa é propensa à depressão, ansiedade e pressão social podem desencadeá-la. No entanto, se uma pessoa é muito propensa biologicamente à depressão, ela pode cair doente mesmo quando tudo está bem em sua vida”.
JUVENTUDE
Por esses motivos, a doença em questão é tratada por órgãos de saúde como uma patologia delicada. Uma pessoa com ansiedade e/ou depressão pode ter gatilhos (traumas) ativados com cenas explícitas de suicídio, por exemplo. Botega confirma a incidência da depressão em pessoas cada vez mais jovens. “Se um filme, ou série, romantizar o suicídio; se transformar a pessoa falecida em herói; se fornecer aos espectadores detalhes sobre o método letal, tudo isso pode, sim, levar pessoas mais vulneráveis ao suicídio. Vários estudos já demonstraram tal fenômeno”, descreve o especialista.
Segundo informações do Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais da Mídia (do Departamento de Saúde Mental, e feito em Genebra no ano de 2000) há duas listas gerais sobre o que fazer e o que não fazer ao tratar da questão em quaisquer veículos midiáticos (e isso inclui as manifestações culturais, naturalmente):
O QUE NÃO FAZER:
- Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas;
- Não informar detalhes específicos do método utilizado;
- Não fornecer explicações simplistas;
- Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso;
- Não usar estereótipos religiosos ou culturais;
- Não atribuir culpas.
O QUE FAZER:
- Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos;
- Referir-se ao suicídio como suicídio “consumado”, não como suicídio “bem-sucedido”;
- Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos;
- Destacar as alternativas ao suicídio;
- Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda;
- Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.
13 REASONS WHY
A série da Netflix, voltada para o público adolescente, desrespeitou inúmeras indicações da OMS sobre o tratamento de pessoas com tendências suicidas. Para Botega, 13 Reasons Why cometeu “pecados” quanto à forma de tratar da questão. “A própria Netflix sofreu muitas críticas e, na segunda temporada da série, foi bem mais cuidadosa. No entanto, costumo dizer que, por vias tortas, a série trouxe o assunto para as conversas nas famílias e na sociedade. Devido ao tabu, o suicídio sempre foi pouco discutido pela sociedade”, acrescenta.
“Eu diria que, no Brasil, estamos agora em um momento distinto de há cinco anos atrás. Tem havido publicação de reportagens muito boas e úteis sobre esse assunto – antes tabu nos meios de comunicação”, frisa o psiquiatra, no que recomenda um trabalho de sua autoria: “decidi escrever um livro, destinado a pacientes deprimidos e seus familiares, que trata da diferenciação entre tristeza e depressão, bem como das formas de se ajudar uma pessoa acometida pela depressão. O livro se chama A tristeza transforma, a depressão paralisa“, já disponível nas livrarias, pela editora Benvirá.
AJUDA
Se você conhece alguém que sofra de depressão, o recomendável seria que assistisse a filmes que englobem o tema, para, somente depois, avaliar se a pessoa realmente pode (ou deve) assisti-los. Graças à delicadeza e às divergências de um quadro depressivo a outro, a forma como o portador dessa doença se comportará diante de determinados materiais é, de certa maneira, subjetiva.
Cuidado é o que todos deveriam tomar ao consumir produtos culturais como filmes, séries e/ou livros que abordem os transtornos citados. Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, é um romance publicado em 1774 e que, ao longo dos anos, “ajudou” a cunhar um termo já conhecido por parte do senso comum – o denominado “efeito Werther”.
Com conteúdo depressivo e um tanto explícito, a divulgação do romance levou a uma série de suicídios, à época de lançamento. Sendo assim, um determinado pico de emulações de suicídios pode ser descrito como a principal característica do lamentável fenômeno social.
SEMPRE HAVERÁ ESPERANÇA
Não devemos subestimar a capacidade que um material tem de despertar maus sentimentos nos indivíduos. Especificamente quanto ao suicídio, de fato, há elementos pontuais que podem influenciar em comportamentos autodestrutivos. É claro que, devido à complexidade do quadro depressivo, o diagnóstico de todas as suas causas não é o objetivo exclusivo e primordial do tratamento psiquiátrico empregado atualmente – mas, sim, sua cura.
Segundo a OMS, existe prevenção do suicídio em mais de 90% dos casos. Para tanto, é necessário a conscientização da população através de campanhas. A maior delas, atualmente, é chamada de Setembro Amarelo – mês designado ao aumento das discussões sobre depressão.
Precisamos ter em mente que há sempre muito mais motivos para estarmos vivos do que o contrário. Depressão não é incurável, e você poderá encontrar conforto não somente em sua família ou em seus amigos, mas também em entidades que prezam pela importância de cada uma de nossas vidas. Todos merecem ser felizes – e você, ou a pessoa com depressão de sua vida, é uma delas.
*Para saber como evitar ou prevenir o suicídio, acesse os links abaixo:
Prevenção do Suicídio – Ministério da Saúde;
Centro de Valorização da Vida (CVV);
Prevenção do Suicídio – Um Recurso para Conselheiros (OMS)
[Crítica] Sharp Objects é assustadoramente fascinante
[NÃO contém spoilers!]
No último domingo (26), foi ao ar o oitavo e último episódio de Sharp Objects, minissérie da HBO estrelada por Amy Adams. A produção – inspirada no romance homônimo de Gillian Flynn (autora de Garota Exemplar), dirigida por Jean-Marc Vallée (de Big Little Lies) e produzida por Jason Blum (de Corra!) – conta a história de uma jornalista que volta à sua cidade natal; com o intuito de investigar o assassinato de duas adolescentes.
De família rica e influente, na interiorana Wind Gap, Camille Preaker (Adams) sofrera uma série de traumas quando adolescente (Sophia Lillis, em flashbacks) – o que culminou em sua depressão, alcoolismo e automutilação. Com o corpo completamente coberto por cicatrizes de palavras (aparentemente) aleatórias, a protagonista revela um passado bastante sombrio.
Anos atrás, ela e sua mãe, Adora Crellin (Patricia Clarkson), tiveram de passar pelo luto de perder a caçula da família repentinamente. Desde então, a primogênita vive em um ciclo de autodepreciação, já tendo sido até mesmo internada em uma clínica de reabilitação. Agora, Camille retorna à sua antiga casa, à pedido do chefe, e tem de conviver com a mãe distante, o apático padrasto, Alan (Henry Czerny), e a instável meia-irmã, Amma (Eliza Scanlen).
Tal como em Big Little Lies, a direção de Vallée é impecável. A sincronia e a naturalidade com as quais os atores trabalham é essencial em uma obra como essa – na qual a sutileza é a verdadeira essência de seu suspense. Quase não há cenas de violência explícita na série e, as que chegam mais perto disso, são mostradas apenas sob rápidos flashes. O clima de estranhamento é tão presente, e em tudo, que fica difícil apostarmos em um assassino específico e de primeira. Até mesmo nos últimos minutos da minissérie, pegamo-nos questionando a verdadeira identidade do(a) criminoso(a).
E isso se deve, também, a atuações memoráveis. Eliza Scanlen é a verdadeira revelação de Sharp Objects. Sua interpretação destaca-se entre nomes de peso como Adams e Clarkson – com quem atua na maior parte de suas cenas. O trio de protagonistas, aliás, representa o que há de mais tóxico em um núcleo familiar. A obsessão de Adora pelas filhas e a rebeldia preocupante de Amma não ajudam, nem um pouco, na recuperação de Camille.
Uma das cenas mais marcantes da série é o momento em que a personagem de Adams revela suas cicatrizes para a família. Para isso, foram feitas 350 tatuagens temporárias de palavras rabiscadas, produzidas pelo maquiador Adrien Morot (franquia X-Men). Como um todo, a relação de Camille com objetos pontudos e/ou cortantes é bastante explorada pelo enredo – aparecendo, inclusive, no contato da ponta de seu dedo com cílios postiços.
Cada atitude dos personagens, por mais tardiamente que sejam reveladas, estão de acordo com aquilo que fora mostrado antes; e, o mais interessante disso é que, mesmo as ações menos humanizadas (as mais brutais), entregam o cuidado e os detalhes do roteiro da produção. Apesar de a história ser baseada em um livro já finalizado, o modo como as coisas acontecem é inteligente e totalmente claro.
Sharp Objects é, com certeza, uma obra que merece a sua atenção. Vallée traz, novamente, um trabalho de altíssima qualidade para a televisão – um que supera, até mesmo, o seu último. Seja pela reviravolta no final, pelas atuações grandiosas ou pela montagem de extrema precisão, a minissérie é um dos melhores programas televisivos deste ano. Disponível na HBO Go e no Net Now.
Ficha técnica
Criação: Gillian Flynn, Marti Noxon
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: Amy Adams, Patricia Clarkson, Eliza Scanlen, Sophia Lillis
Gênero: Drama, Suspense
Distribuição: HBO
Como identificar filmes e séries que retratem ansiedade e depressão de forma responsável?
Quando o assunto são doenças mentais, a indústria cultural peca por não saber lidar com a temática de modo realista. Muitas vezes, em meio à ganância de produzir e vender conteúdo audiovisual, diversos longas-metragens ou séries de televisão abordam doenças como transtorno de ansiedade generalizada e depressão de maneira bastante irresponsável.
Produções como 13 Reasons Why, série da Netflix que fala sobre bulliyng e suicídio, são criticadas por conterem cenas detalhistas de práticas violentas – como o próprio suicídio da protagonista Hannah Baker (Katherine Langford), cuja morte é exposta passo a passo. “Há vários manuais, tanto da OMS [Organização Mundial da Saúde] quanto de associações nacionais e internacionais de prevenção do suicídio, em relação a como os profissionais de imprensa devem retratar a questão do suicídio“, comenta o Dr. Neury Botega, psiquiatra da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
O QUE É O TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA?
Para que possamos avaliar quando um produto da indústria cultural se torna mais nocivo ao público do que qualquer outra coisa, precisamos entender o que são o transtorno de ansiedade generalizada e a depressão. “É a ansiedade, dimensão fisiológica e psicológica do desconforto, que nos move para a frente. Ela é natural e necessária. Ocorre que, se a ansiedade for em demasia, ela mais ‘esquentará o motor’ do que promoverá mudanças. É quando a ansiedade pode ser encarada como patológica.”, explica Botega.
O real problema de determinada produtora ou equipe, ao lançar um filme com temática suicida no mercado, é a dificuldade que esses profissionais têm de representar a depressão com certos cuidados.
Segundo o psiquiatra, ainda não se sabe exatamente o que causa depressão em um indivíduo. “Parece ser uma combinação de propensão biológica com acontecimentos da vida – da vida desde os primeiros dias da infância. Se uma pessoa é propensa à depressão, ansiedade e pressão sociais podem desencadeá-la. No entanto, se uma pessoa é muito propensa biologicamente à depressão, ela pode cair doente mesmo quando tudo está bem em sua vida”.
JUVENTUDE
Por esses motivos, a doença em questão é tratada por órgãos de saúde como uma patologia delicada. Uma pessoa com ansiedade e/ou depressão pode ter gatilhos (traumas) ativados com cenas explícitas de suicídio, por exemplo. Botega confirma a incidência da depressão em pessoas cada vez mais jovens. “Se um filme, ou série, romantizar o suicídio; se transformar a pessoa falecida em herói; se fornecer aos espectadores detalhes sobre o método letal, tudo isso pode, sim, levar pessoas mais vulneráveis ao suicídio. Vários estudos já demonstraram tal fenômeno”, descreve o especialista.
Segundo informações do Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais da Mídia (do Departamento de Saúde Mental; em Genebra, no ano de 2000) há duas listas gerais sobre o que fazer e o que não fazer ao tratar da questão em quaisquer veículos midiáticos (e isso inclui em manifestações culturais, naturalmente):
O QUE NÃO FAZER:
- Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas;
- Não informar detalhes específicos do método utilizado;
- Não fornecer explicações simplistas;
- Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso;
- Não usar estereótipos religiosos ou culturais;
- Não atribuir culpas.
O QUE FAZER:
- Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos;
- Referir-se ao suicídio como suicídio “consumado”, não como suicídio “bem sucedido”;
- Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos;
- Destacar as alternativas ao suicídio;
- Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda;
- Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.
13 REASONS WHY
A série da Netflix, voltada para o público adolescente, desrespeitou inúmeras indicações da OMS sobre o tratamento de pessoas com tendências suicidas. Para Botega, 13 Reasons Why cometeu “pecados” quanto à forma de tratar da questão. “A própria Netflix sofreu muitas críticas e, na segunda temporada da série, foi bem mais cuidadosa. No entanto, costumo dizer que, por vias tortas, a série trouxe o assunto para as conversas nas famílias e na sociedade. Devido ao tabu, o suicídio sempre foi pouco discutido pela sociedade”, acrescenta.
“Eu diria que, no Brasil, estamos agora em um momento distinto de há cinco anos atrás. Tem havido publicação de reportagens muito boas e úteis sobre esse assunto, antes tabu nos meios de comunicação”, frisa o psiquiatra, no que recomenda um trabalho de sua autoria: “decidi escrever um livro, destinado a pacientes deprimidos e seus familiares, que trata da diferenciação entre tristeza e depressão, bem como das formas de se ajudar uma pessoa acometida pela depressão. O livro se chama A tristeza transforma, a depressão paralisa. Sairá pela Editora Saraiva no início de setembro”.
AJUDA
Se você conhece alguém que sofra de depressão, o recomendável seria que assistisse a filmes que englobem o tema, para, somente depois, avaliar se a pessoa realmente pode (ou deve) assisti-los. Graças à delicadeza e às divergências de um quadro depressivo a outro, a forma como o portador dessa doença se portará diante de determinados materiais é, de certa maneira, subjetiva.
Cuidado é o que todos deveriam tomar ao consumir produtos culturais como filmes, séries e/ou livros que abordem os transtornos citados. Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, é um romance publicado em 1774 que, ao longo dos anos, “ajudou” a cunhar um termo já conhecido por parte do senso comum, denominado de “efeito Werther”.
Com conteúdo depressivo e um tanto explícito, a divulgação do romance levou a uma série de suicídios, à época de lançamento. Sendo assim, um determinado pico de emulações de suicídios pode ser descrito como característica do lamentável fenômeno social.
SEMPRE HAVERÁ ESPERANÇA
Não devemos subestimar a capacidade que um material tem de despertar maus sentimentos nos indivíduos. Especificamente quanto ao suicídio, de fato, há elementos pontuais que podem influenciar em comportamentos autodestrutivos. É claro que, devido à complexidade do quadro depressivo, o diagnóstico de todas as suas causas não é o objetivo exclusivo e primordial do tratamento psiquiátrico empregado atualmente – mas, sim, sua cura.
Precisamos ter em mente que há sempre muito mais motivos para estarmos vivos do que o contrário. Depressão não é incurável, e você poderá encontrar conforto não somente em sua família ou em seus amigos, mas também em entidades que prezam pela importância de cada uma de nossas vidas. Todos merecem ser felizes – e você, ou a pessoa com depressão de sua vida, é uma delas.
*Para saber como evitar ou prevenir o suicídio, acesse os links abaixo:
Prevenção do Suicídio – Ministério da Saúde;
Centro de Valorização da Vida (CVV);
Prevenção do Suicídio – Um Recurso para Conselheiros (OMS)