Estreia: Todo Clichê do Amor, segundo longa de Rafael Primot

Uma stripper (Marjorie Estiano) obcecada em ser mãe; um entregador (Rafael Primot) que se torna assassino para conquistar uma garçonete (Débora Falabella) que já é comprometida e dá aulas para crianças com deficiência auditiva;  uma madrasta (Maria Luisa Mendonça) que, durante o velório do marido, faz a última tentativa de conseguir uma boa relação com a enteada (Amanda Mirasci).  Estas são as histórias que compõem Todo Clichê do Amor, segundo longa de Rafael Primot.

Neste trabalho, o diretor – e também roteirista –  consegue conduzir, paralelamente, três tramas simples, mas inusitadas, que caminham para um final mais clichê do que todos os clichês subvertidos anteriormente no próprio longa. E, para surpresa de todos, isso não é ruim.

Primot é ousado. Não bastasse atuar e dirigir, ele ainda  brinca com a linearidade das histórias contadas – que podem terminar em alguma espécie de ápice narrativo, ou não -, e consegue balancear, com sucesso, o peso entre ser realista e corriqueiro ou romântico e exagerado.

Marjorie Estiano em ‘Todo Clichê do Amor’ / Divulgação

Num tom quase que paradoxal, Rafael Primot eleva seu filme ao máximo do clichê e dos personagens estereotipados para, justamente, desprover sua narrativa de chavões de comédias românticas e proporcionar ao público uma experiência de reconstrução de conceitos e subversão de valores. Aqui, ele desnuda toda a deficiência  e as dificuldades do ser humano em lidar com os sentimentos. Em olhar, ouvir ou compreender o outro.

Experiência cinematográfica pode ser uma boa expressão para caracterizar este filme. Além de contar com essa estrutura narrativa menos linear e direta, a obra propõe uma estética visual muito própria, se valendo também de outras linguagens para manifestar suas intenções menos óbvias.

Por exemplo, a trama de Maria Luisa Mendonça é envolta por ares de dramalhão novelesco, com direito a reações exageradas e pausas dramáticas. Já o arco de Marjorie Estiano sofre visíveis influências dos famigerados e decadentes “romances água com açúcar” de banca de jornal. Aqueles livros impressos em papel de péssima qualidade, finalizados com capas constrangedoras.

Maria Luísa Mendonça em ‘Todo Clichê do Amor’ / Divulgação

Propositalmente, esta é uma comédia romântica que parte do caricatural, estereotipado e exagerado, para constituir suas camadas de humanização de personagens. Isso sem nunca deixar de lado uma certa atmosfera de crônica absurda da vida real.

Este é um filme de camadas. Num primeiro momento ele pode parecer desconfortável, debochado demais, desordenado e até apelativo. Mas logo percebe-se a preocupação de toda a equipe com fotografia, atuação, cinematografia, montagem, trilha sonora, direção e roteiro.

Enquanto o roteiro oferece diálogos previsíveis, sentimentais e dignos de um folhetim mexicano – contando até mesmo com narrações em off que dão voltas e mais voltas -, as ações das personagens fazem o caminho completamente oposto, tomando a tela de reações inesperadas. Dessa dinâmica nasce a força de Todo Clichê do Amor. Do contraditório, do imponderável (adjetivos que até poderiam descrever o próprio amor).

Durante a coletiva de imprensa do filme, Primot afirmou que uma de suas preocupações era não acabar com uma obra machista. “Quando fazemos histórias de amor,  histórias que nascem desse universo “clichetesco”, de livros tipo Sabrina (romances de banca de jornal), a gente esbarra muito nessa coisa machista, do olhar que vê a mulher como objeto de desejo só e pronto. Então era uma preocupação minha”, ressaltou.

O diretor ainda declarou que, numa camada mais profunda de interpretação, a deficiência física de alguns dos personagens pode ser lida como uma metáfora para a  ausência de habilidades e destreza que há para com o amor. Nesse quesito, ele destaca o trabalho de Débora Falabella, responsável por um monólogo emocionante feito todo em libras (linguagem de sinais). E a atriz completa:“Eu acho que é muito lindo, num momento como esse, que a gente possa falar sobre amor no cinema assim”.

Débora Falabella em ‘Todo Clichê do Amor’ / Divulgação

O filme é produzido e distribuído de maneira inteiramente independente. De acordo com Primot, só assim, com a autonomia que o trabalho independente proporciona, seria possível realizá-lo da forma como foi feito.

O produtor do longa, Daniel Gaggini, aproveitou a coletiva para esclarecer que  as leis de incentivo ao audiovisual são necessárias, bem-vindas e essenciais para a produção cinematográfica brasileira, mas que esse tipo de caminho leva tempo, e por estarem trabalhando num outro ritmo, optaram mesmo pelo independente.

Todo Clichê do Amor chega aos cinemas de mais de 15 capitais brasileiras nesta quinta (19) com algumas cópias contendo legendas em closed caption para pessoas com deficiência auditiva, uma preocupação  rara no cinema nacional.

Assista ao trailer: 

(Fonte: Todo Clichê do Amor–o filme / Youtube)

 

Ficha técnica

Ano: 2018

Duração: 1h23

Direção: Rafael Primot

Elenco: Débora Falabella, Marjorie Estiano, Maria Luísa Mendonça, Rafael Primot, Gilda Nomacce

Gênero: Comédia, Romance

Distribuidora: Enkaphothado Filmes

País: Brasil

 

 

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