O Beijo no Asfalto, texto de Nelson Rodrigues, marca a estreia de Murilo Benício como diretor de cinema

Estreia nesta quinta (06) O Beijo no Asfalto,  ambicioso primeiro trabalho de Murilo Benício como diretor de cinema. Protagonizado por Lázaro Ramos e Débora Falabella,  o longa chega às telas das salas de exibição transportando para o audiovisual, na íntegra e com maestria, o texto homônimo do grande dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues.

Na versão cinematográfica de Benício, Lázaro Ramos dá vida ao personagem Arandir, um homem comum que, certo dia, caminhando por uma via movimentada do Rio de Janeiro, presencia o atropelamento de um homem e decide correr para socorrê-lo. Ao tomar o desconhecido nos braços, Arandir escuta um último pedido do quase morto: ele quer um beijo.

Arandir (Lázaro Ramos) / Divulgação

O que Arandir jamais poderia imaginar é que, atendendo ao pedido do moribundo, sua vida sofreria com drásticas reviravoltas. O beijo, flagrado por Aprígio (Stênio Garcia), sogro do protagonista, e fotografado para capas de jornais, logo toma proporções inimagináveis tanto na esfera pública carioca quanto na vida pessoal de Arandir.

Querendo se aproveitar da polêmica gerada por um homem que beija outro  após um acidente para vender jornal e ganhar notoriedade, o jornalista Amado Ribeiro (Otávio Müller), um sensacionalista despudorado, se une ao detetive Cunha (Augusto Madeira), outro inescrupuloso, para garantir que o caso transforme-se em um espetáculo duradouro e alavanque suas carreiras. É assim que o tal beijo no asfalto vira caso de polícia, colocando em risco até o casamento recente de Arandir com Selminha (Débora Falabella).

Por que Arandir beijou um homem moribundo na boca em público? Eles eram amantes? Arandir é homossexual? Eles se conheciam? Arandir tem a ver com o acidente? Ele matou o homem?

Imagem: divulgação

O Beijo no Asfalto é um filme sobre a dúvida. E talvez mais do que isso, sobre a importância de ao menos haver dúvida frente a tantos achismos proferidos com a convicção de certezas nocivas. Por isso obra de Nelson Rodrigues é assustadoramente atual. Ela escancara falsos moralismos, preconceitos, jogos de poder que usam a opinião pública como massa de manobra e dialoga até com o fenômeno das fakenews e seu impacto social hoje.

Mas Murilo Benício vai além da simples reprodução da obra de Nelson Rodrigues. Em sua estreia como diretor, ele oferece ao público um filme que é como uma homenagem à linguagem e à cultura brasileira. Para isso, brinca com um transitar eficiente entre as linguagens do cinema e do teatro.

O início do filme se dá em uma mesa de leitura do roteiro, formada pelo elenco impecável – com destaque para Fernanda Montenegro, que inevitavelmente rouba as atenções com seu talento irresistível . Depois de alguns minutos espiando esses primeiros contatos de cada ator com seu personagem e com a narrativa, o espectador é transportado para a zona de suspensão da descrença e imersão na ficção do desenrolar do roteiro (quando o filme acontece como um filme de ficção, de fato). Às vezes a suspensão da descrença é interrompida pelo retorno da mesa de leitura ou por tomadas abertas que mostram bastidores.

Imagem: divulgação

Tudo isso acontece graças à costura cirúrgica realizada pela montagem. Em nenhum momento o transitar pelas linguagens é incômodo ou frustrante. Muito pelo contrário, ao escolher mostrar além do texto, Benício nos presenteia com complementos ricos, muito semelhantes a notas de rodapé. São informações extras sobre cinema, teatro e até sobre memórias de Fernanda Montenegro a respeito do fazer teatro em tempos de autoritarismo, durante a ditadura civil-militar.

“Eu queria contar Nelson Rodrigues. Se você não tem uma pessoa que de alguma forma esteja ligada à cultura, você não conhece Nelson Rodrigues. E isso é uma coisa muito séria pra gente como sociedade, como história. Então eu queria fazer um filme competente e contar a história de O Beijo no Asfalto dessa maneira, seguindo o processo dos atores”, confessou Murilo Benício, durante a coletiva de imprensa do filme que aconteceu em São Paulo.

O Beijo no Asfalto foi realizado em 12 dias, gravado dentro de um teatro, com atores amigos convidados para o elenco, e rodado em preto e branco na belíssima fotografia de Walter Carvalho (Central do Brasil). Assim, o filme é, em si mesmo, um retrato do que é fazer “cinema de arte” no Brasil. Além de, é claro, ser também um encontro prazeroso entre passado e presente, forma e linguagem, contexto social, memória, crítica e arte.

Assista ao trailer:

(Fonte: ArtHouse / YouTube)

 

Leia também: Manual para incentivar o cinema nacional 

 

Ficha técnica

Direção: Murilo Benício

Duração: 1h38

País: Brasil

Ano: 2018

Elenco: Lázaro Ramos, Débora Falabella, Otávio Müller, Fernanda Montenegro

Gênero: Drama

Distribuição: ArtHouse

 

 

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário