Depois de perder a mãe repentinamente, o jovem Sócrates (Christian Malheiros), de 15 anos, precisa enfrentar um luto solitário e sobreviver por conta própria. O garoto, negro, homossexual e morador da periferia da Baixada Santista, litoral de São Paulo, tinha a mãe como sua única família. Ao perdê-la, se vê sem ter idade para arrumar um emprego e correndo o risco de ter que viver em um abrigo ou com um pai que despreza.
Essa é a sinopse de Sócrates, filme dirigido por Alex Moratto que já passou pelo Festival do Rio 2018, pela 42ª Mostra Internacional de São Paulo, pela 26ª edição do Festival Mix Brasil de Cultura e Diversidade e que, recentemente, surpreendeu a todos ao receber três indicações ao Spirit Award 2019, o Oscar do cinema independente – Sócrates está indicado a Melhor Ator, para Christian Malheiros; Melhor Diretor Revelação, para Alex Moratto; e Melhor Filme com orçamento inferior a 500 mil dólares.
A interpretação de Malheiros, sem dúvidas, faz jus à indicação que recebeu. No filme, os sentimentos de seu personagem são estrangulados pela engrenagem, exigindo do ator a missão de expressar os pesares de Sócrates através do olhar; o que resulta em um dos olhares mais significativos e claustrofóbicos do cinema nacional deste ano.
Claustrofóbico porque ser Sócrates é estar preso por condições que são impostas por contextos macro, condições que independem de força de vontade individual; e ser espectador de Sócrates, o filme, é ser tomado por uma sensação de impotência desesperadora. A jornada do herói vivida pelo protagonista é uma caminhada que não acaba quando termina, mas que diz respeito ao retrato do percurso.
A certa altura, por exemplo, Sócrates conhece Maicon (Tales Ordakji), alguém em que ele acredita poder encontrar algum apoio emocional e afetivo, mas que, na verdade, é apenas mais um jovem tentando equilibrar os pratos da sobrevivência.
Na trama, Maicon convive com um conflito interno entre a masculinidade que deseja externar e a homossexualidade que luta para esconder. Maicon serve, principalmente, para enriquecer a narrativa com outra perspectiva sobre expressão de masculinidade, relações familiares, sexualidade e classe social.
Sua condição de vida não é muito melhor do que a de Sócrates, mas ele possui outra estrutura familiar e um jeito mais reativo de lidar com o mundo – algo que provavelmente acontece como consequência da raiva internalizada que sente por acreditar estar constantemente pisando em ovos.
Sócrates trata, fundamentalmente, da solidão do autoconhecimento, do existir quando se está envolto em extrema vulnerabilidade social. É um filme que desconstrói a romantização de família e que fala sobre perda, violência e preconceito.
Trata-se de uma obra importante, que compõe a brutalidade da realidade apontada com certa crueza da narrativa. Para tanto, há sempre uma câmera subjetiva acompanhando o protagonista. O filme é sensorial. Ele opera como uma janela aberta com vista para o que ninguém quer ver. Às vezes o cinema é isso: desembrulhar e reorganizar pedaços de vasos quebrados. Não para chocar de forma leviana, mas para registrar; para provocar, talvez.
Sócrates, que ganhou certo destaque graças às indicações ao Spirit Award, foi realizado com uma verba modesta de 20 mil dólares. Além disso, as gravações foram feitas em apenas 5 meses, produzidas por uma equipe formada por adolescentes do Instituto Querô – o Instituto é uma ONG de Santos que usa o audiovisual para ampliar os horizontes profissionais de jovens em situação de risco social.
Após a exibição do longa no Festival Mix Brasil de Cultura e Diversidade, o diretor Alex Moratto destacou que as indicações colaboram muito com a carreira do filme, mas que o “boca a boca” é de grande importância. Ele pediu para que o público ajude a divulgar esse trabalho tão importante, feito com pouca verba e por jovens talentosos. Assegurou também que já existe uma estratégia de distribuição sendo pensada para levar o filme a regiões mais periféricas – usando as salas de exibição dos CEUs (Centros Educacionais Unificados).
Assista ao trailer:
(Fonte: Film Independent / YouTube)
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Ficha técnica
Direção: Alex Moratto
Duração: 1h11
País: Brasil
Ano: 2018
Elenco: Christian Malheiros, Tales Ordakji, Jayme Rodrigues
Gênero: Drama
Distribuição: —
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