Diablero leva folclore mexicano com qualidade para a Netflix

Foi aos 45 do segundo tempo de 2018 que a Netflix lançou uma de suas séries originais mais especiais e inusitadas do ano. Ambientada na Cidade do México, Diablero acompanha as peripécias de Elvis Infante (Horácio Garcia Rojas), conhecido como diablero, homem que ganha a vida “caçando” demônios, e de Ramiro Ventura (Christopher Von Uckermann), um jovem padre que precisa abrir mão da doutrina cristã para descobrir o paradeiro de uma garotinha sequestrada por forças sobrenaturais.

Formado também por Nancy (Gisselle Kuri), uma garota que incorpora demônios quando deseja, e Keta (Fátima Molina), a irmã de Elvis, o grupo embarca numa jornada que desafia conceitos pré-determinados de bem e de mal e que explora o imaginário de um México popular – bem diferente do México retratado na também excelente série mexicana A Casa das Flores.

‘Diablero’ / Divulgação

Baseada no livro “El diablo me obligó”, de F.G. Haghenbeck, a série usa o encontro entre as realidades de Padre Ramiro e do diablero Elvis para evidenciar as contradições de um país perigoso para as crianças. De acordo com com a organização Save the Children, os sequestros são o problema que mais preocupa as crianças mexicanas, seguidos pelos problemas de saúde, pela falta de dinheiro em casa e pela violência nas ruas. Além disso, 12 das 50 cidades mais violentas do mundo estão no México.

Logo no episódio piloto, durante a apresentação de Elvis, nos damos conta de que os tais demônios que possuem os corpos dos cidadãos normais podem representar qualquer tipo de violência urbana. Podem se manifestar, inclusive, na figura de um marido bêbado e violento. Embora lembre um pouco séries americanas como Supernatural, por conta da caçada aos demônios dentro de um carro de estimação, por exemplo, Diablero se vale de algo que só poderia mesmo estar presente numa produção latino-americana: o realismo fantástico.

Desse realismo fantástico tão latino nasce uma série que confronta o mercado clandestino de “demônios” (as profundezas violentas e ilegais da cidade) e os jogos de poder obscuros da igreja católica. O México é um país muito religioso, ali as crenças dos povos originários convivem com valores cristãos. Surge dessa convivência, e das influências das religiões em aspectos sociais e políticos do país, o folclore mexicano que serve de inspiração a Diablero.

Imagem: divulgação

Anjos, demônios, bruxas e chupa-cabras são algumas das forças sobrenaturais que vemos em tela. Sequestros, diferentes configurações familiares, subempregos,  corrupção na igreja e violência espetacularizada são alguns dos problemas sociais abordados pela série. Por isso Diablero representa um encontro perfeito entre realismo e fantasia.

É verdade que a série não conta com efeitos especiais de primeira qualidade, mas isso acaba muito bem compensado pelos protagonistas carismáticos, pelo humor afiado, pela narrativa competente, pelas intenções bem executadas, pela trilha sonora regional formidável e pela ótima abertura. É fácil maratonar Diablero; assim como é fácil também acabar envolvido por uma produção que conhece perfeitamente suas limitações, mas que sabe explorar o que pode oferecer de mais precioso: criatividade, originalidade e diversidade cultural.

A convivência da diversidade se dá inclusive na formação do quarteto protagonista. Temos duas mulheres e dois homens. Nancy e Padre Ramiro são brancos. Keta e Elvis são descendentes de indígenas e até conversam no idioma náhuatl – algo semelhante ao que acontece em Roma, de Alfonso Cuarón. Felizmente, a Netflix tem dado espaço para que obras mexicanas recuperem certa ancestralidade em suas tramas.

Imagem: divulgação

“Sou mestiço mais para a ascendência mexicana e Christopher é um mestiço mais para o europeu, e, no final, somos dois mexicanos que estão lutando por algo concreto, com os mesmos ideais. Somos mexicanos de diferentes mestiçagens. Estamos aí todos juntos e isso reflete o México. Eu nunca havia visto algo assim em outra série. Sempre nos dividem: o branco aqui e o moreno ali, um bom e o outro mau, um rico e o outro pobre, um educado e o outro, não”, declarou o ator Horacio Garcia Rojas, em entrevista ao site Proceso.

Então, Diablero mostra-se completa por, além de engajar o espectador no enredo da aventura, se preocupar em mostrar um México contemporâneo, repleto de demandas atuais e de problemas estruturais – tal como a maioria dos países latino-americanos. Maratonar Diablero é como fazer uma viagem empolgante por parte do imaginário popular e folclórico mexicano; e tudo isso sob uma atmosfera encantadora de horror fantástico.

Para uma possível segunda temporada, fica a expectativa de que a trama se aventure mais pelo universo das bruxas e de tantos outros personagens e arcos que renderiam muito – e bom – material para o futuro da série. Por enquanto, há a certeza de que Diablero abre possibilidades importantes para o terror latino-americano em produções seriadas lançadas mundialmente via streaming.

Assista ao trailer:

(Fonte: Netflix Brasil/ YouTube)

Leia também: “Viva: novo filme da Pixar e o contexto social do México”

Ficha técnica
Criação: Pablo Tébar, José Manuel Cravioto
País: México
Ano: 2018
Elenco: Horacio Garcia Rojas, Fátima Molina, Christopher Von Uckermann, Gisselle Kuri
Gênero: Suspense, Terror, Aventura
Distribuição: Netflix


COMENTÁRIOS

Deixe um comentário