Versace: 2ª temporada de American Crime Story é um estudo do caráter humano

Quando o estilista de alta costura italiano Gianni Versace fora assassinado, em julho de 1997, as motivações para tanto eram totalmente nebulosas. Hoje, após mais de duas décadas do crime, as intenções do serial killer norte-americano Andrew Cunanan continuam incertas. Durante os nove episódios da segunda temporada de American Crime Story, intitulada de O Assassinato de Gianni Versace, acompanhamos Cunanan até seu trágico desfecho.

Disponível na Netflix desde o último dia 17 (janeiro), a série coproduzida por Ryan Murphy (American Horror Story) desenvolve-se a partir do mais famoso homicídio cometido pelo personagem de Darren Criss. No entanto, e ao contrário do que pode-se imaginar, a história do estilista italiano (interpretado por Édgar Ramírez) não é o foco central do programa de TV.

Imagem: divulgação

Mesmo que Versace e seu relacionamento com a célebre grife de roupas, assim como com seu namorado, Antonio D’Amico (Ricky Martin), e com sua irmã, Donatella (Penélope Cruz), sejam retratados de modo cuidadoso pela produção, o verdadeiro protagonista da temporada é Cunanan; papel, este, que deu ambos Emmy e Globo de Ouro de Melhor Ator para Criss.

Então, enquanto que o protagonismo do serial killer poderia significar uma abordagem oportunista do enredo – o que, de fato, não deixa de ser –, American Crime Story surpreende pela rica análise do comportamento humano.

O DESTRUIDOR

Baseado no livro Vulgar Favors, de Maureen Orth, o roteiro da série nada mais é do que um dossiê investigativo sobre os crimes de Cunanan. E, como é creditado no final de cada episódio do programa, os diálogos dos personagens foram imaginados segundo os relatos de testemunhas. Ainda assim, a verossimilhança e a contextualização do comportamento do serial killer é de um brilhantismo fascinante.

Já a interpretação de Criss como um assassino é impecável. Narcisista, em um nível fora do comum, seu personagem evidentemente encaixa-se dentro de um transtorno de personalidade. Sua falta de empatia e a obsessão em ser, o que ele chama de, “especial” indicam as tendências patológicas do homem que matou Versace. Quanto ao nível de manipulação, através do qual empenha-se desde o início de sua vida adulta, é assustadoramente alto.

Darren Criss como Andrew Cunanan, em póster promocional / Divulgação

Ao mesmo tempo, as pontuais e escassas qualidades de Cunanan dão margem para que acreditemos que, sim, aquele indivíduo nem sempre fora essencialmente vil. Afinal, nem o pior dos seres humanos deve ser avaliado sob uma visão maniqueísta de “bem” ou “mal”.

Dessa forma, para que prevejamos os passos seguintes do assassino, é necessário que analisemos seu histórico de vida – o qual aponta uma vítima de instabilidade familiar e de uma institucionalizada homofobia.

ALINEAR

Anteriormente ao homicídio do estilista, morto em frente à sua mansão em Miami Beach (Flórida, EUA), Cunanan tirou a vida, a sangue frio, de mais quatro pessoas; e todas naquele mesmo ano de 1997.

Um desconhecido, o antigo cliente de prostituição Lee Miglin (Mike Farrell), o interesse amoroso David Madson (Cody Fern) e o melhor amigo de Cunanan, Jeff Trail (Finn Wittrock), foram brutalmente atacados, torturados e assassinados. A arma do crime de Versace, assim como a que Cunanan disparou contra Madson, fora a mesma arma de fogo usada em seu suicídio – oito dias depois da morte do estilista. Já nos homicídios de Trail e Miglin, o criminoso usou de práticas absurdamente violentas – como espancamento, marteladas e facadas.

Donatella Versace (Penélope Cruz) / Divulgação

A cada episódio da série, acompanhamos uma fase diferente da vida de Cunanan; que divide-se entre cada um de seus assassinatos, sua juventude, o início na prostituição de luxo e os relacionamentos com Trail e Madson. Há cenas, como as do suposto encontro entre Versace e seu assassino no início da década de 1990, por exemplo, que vão e voltam algumas vezes no decorrer da série.

Aliás, a maior característica do roteiro da segunda temporada de American Crime Story é a construção não-cronológica dos fatos. Apesar disso, o entendimento quanto à ordem correta dos acontecimentos é bastante simples. E, consequentemente, a edição de imagem é um dos pontos altos da produção.

HOMOFOBIA

Além do mais, o tema recorrente quanto à homofobia dos anos 1990 é um dos grandes destaques do programa. O tempo todo, seus mais diversos personagens sofrem, de alguma maneira, com a discriminação de sua sexualidade. Momentos antes de atirar contra Versace (que era assumidamente gay), por exemplo, Cunanan lê a frase “malditas bichas”, riscada na porta de um banheiro público. E essa ambientação – ou melhor, a preparação do ambiente necessário ao suspense – é essencial ao andamento da narrativa.

Gianni Versace (baixo; Édgar Ramírez) e Antonio D’Amico (Ricky Martin) / Divulgação

A direção de arte é outro item importante na série. Tanto a casa do estilista quanto a cerimônia de seu funeral são cenários primorosos da produção. No meio disso, somos facilmente convencidos da relevância de Versace como artista e celebridade; o que respalda na grandiosidade de uma pessoa como ele ter declarado-se homossexual, e há apenas vinte anos atrás.

American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace é, portanto, uma releitura certeira dos crimes envolvendo Andrew Cunanan. Ainda que a série, sabidamente, não seja literal à realidade dos fatos, a visão da produção sobre o assassino de Gianni Versace é, no mínimo, interessante. Seja pela abordagem da homossexualidade, ou pela representação detalhada de um serial killer, a pertinência do programa é, ao final, incontestável. Não deixe de assistir!

Confira o trailer legendado abaixo:

Reprodução: YouTube / American Crime Story

Ficha técnica

Direção: Ryan Murphy, Larry Karaszewski, Scott Alexander

País: EUA

Ano: 2018

Elenco: Darren Criss, Édgar Ramírez, Penélope Cruz, Ricky Martin

Gênero: Suspense, Crime, Antologia

Distribuição: 20th Television


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